18.10.06

derrubando o mestre

Ele é faixa preta, eu sou branca. Não importa. Derrubei o mestre com um golpe só, logo no nosso primeiro encontro. Quando entrei no tae kwon do, o mestre estava competindo na Coréia. Tempos depois, chegou o dia da nossa primeira aula. Achei o mestre maravilhoso, invencível, um verdadeiro samurai. No fim da aula, parti pro vestiário, disposta a nunca mais treinar com outro. Eu era a única mulher naquele dia, então aproveitei o espaço todo só pra mim, fiquei horas, me espalhei. Tô lá espalhada quando sinto uma movimentação na porta, seguida daquele barulhinho de lá vem desgraça. Tranquila e infalível como Bruce Lee, agarro minha calça, jogo em cima do corpo e me cubro da melhor maneira possível. Não fosse pelo culotinho e pela ponta da calcinha aparecendo, ninguém nem diria que eu estava pelada da cintura pra baixo. Olho pra porta e vejo o mestre entrando pelo vestiário. O olhar de horror que ele me lançou, nem a mais feia, gorda e celulitada mulher arrancaria de um homem comum. Aquilo é olhar faixa preta, só mestre consegue. Ele chega cambaleou pra trás, levou um soco no plexo, um chute na cabeça, todos os golpes que eu conheço e os que não conheço ainda de uma vez só. Bateu a porta na minha cara com tudo e gritou, já à distância, desculpa, tranca a porta. Tranquei, o mestre mandou, eu tranquei, mesmo com o leite já totalmente derramado. Fiquei ali dentro, curtindo o constrangimento do mestre, coitado (eu, tratando-se de médico e mestre, não tô nem aí). Pra se ter idéia, o mestre pede licença toda vez que me toca. E olha que ele me toca umas setenta vezes por aula. Pega na perna, licença, puxa o braço, licença, ajeita a barriga, licença. Tenho vontade de dizer relaxa, mestre, pode levar. Dei um tempo pro mestre dar uma volta, beber uma água, e saí. Fui assinar minha presença, toda natural. O mestre, também fingindo naturalidade, como se pudesse me enganar, pediu desculpas, explicou que sempre entra nos vestiários antes de fechar a academia pra recolher algum pertence esquecido, apagar as luzes, além, claro, de flagrar alunas desprevenidas. Disse que não viu que eu ainda estava lá, que eu tinha que trancar a porta sempre, se desculpou de novo e tal. Falei que ele não precisava se desculpar, imagina, eu que eu que tinha esquecido de passar o trinco. Falei isso, mas minha vontade era outra. Tive que me segurar pra não agradecer por ele ter me ensinado o mais genial dos golpes. Nas competições futuras, se é que virão, quando me vir apertada, nada de morder orelha. Abaixo o dobok (quimono, pros não iniciados) e pronto, derrubo o inimigo. Vou ser campeã fácil.

8 comentários:

R... disse...

mto bom, incorporando o espirito do km!

Mariana disse...

vcs tiram a a roupa no km?

R... disse...

td isso e mto mais

Mariana disse...

parece interessante...

Anônimo disse...

:(
o que é KM???

Mariana disse...

Mistério...
Ok, krav magá.

Anônimo disse...

Tive um acesso de riso com este texto, difícil de controlar - mérito total da croniquetista. Este blog está virando um vício...

Anônimo disse...

Cada vez que eu releio esta crônica, gosto mais dela. É tudo de bom. O relato, o fecho, tudo magistral. parabéns.