11.10.14

o meu preferido

Algumas vezes, eu perguntava: vô, quem é sua neta preferida? Ele amarrava a cara e não respondia. Eu insistia. Ele fazia bico, contrariado. Afinal, enchia o peito e dizia com força: lógico que é você! Outras vezes, de mãos dadas, ele do nada falava: é minha netinha preferida. E pra minha avó: é a mais amiga da gente, Nilzinha. Gostava também de me provocar. Quando eu perguntava, ele apontava a cabeça pra outra neta qualquer, indicando a preferência. Só com muito custo conseguia fazer ele me dizer o que eu já sabia. Lógico que era eu. Mais pra frente, passou a responder a minha pergunta só beijando a minha mão. Mal falava, mal me olhava. Às vezes, só de implicância, eu sei. Assim que você saiu começou a falar, me contavam depois. Com o tempo, fui deixando de perguntar. Só dizia: vô, é sua neta preferida. Abre o olho, eu quero ver seu olho azul. Ele sempre abria. Ontem, mesmo sabendo ser inútil, mais uma vez eu pedi. Ele não abriu, nunca mais vai abrir. Nem por isso vou deixar de pedir pra sempre. Vô, abre o olho. Eu quero ver seu olho azul.

10.10.14

o preferido



Com ar muito solene, chamava às vezes um neto para dar um dinheirinho. Adorava o ritual. Passava um tempo mexendo na carteira, exibindo notas de dez, vinte, cinquenta, criando expectativa. Por fim, puxava uma nota de dois reais, que entregava como se estivesse dando um milhão. Que vai fazer com tanto dinheiro? Nem sei, Vô, dá pra muita coisa. Gostava disso. Ai de quem não demonstrasse a devida empolgação com o presente. Mas isso era raro. Normalmente, todo mundo fazia planos de compras de roupas, carros, foguetes e por aí vai. Tinha perdido a noção do dinheiro, não custava brincar. Mas era ele quem brincava com a gente. Nunca perdeu a noção do dinheiro. Pra Bruninho, o preferido, sempre dava cinquenta.