26.11.16

Fidel Noel

Fidel morreu. Pensei em escrever sobre Fidel, mas me lembrei de Papai Noel e o texto desandou. A associação é inevitável. Os dois têm barbas brancas, os dois vivem em terras longínquas e fantasiosas, os dois andam magrelos, Fidel por lamentável doença, Papai Noel porque a coisa tá feia e os modelos mais gordos e bochechudos são caros e cada vez mais raros. Os dois quase não falam, se bem que Papai Noel nunca passou de hohoho, já Fidel, enquanto pôde, torturou os ouvidos do povo por horas e horas, anos e anos, décadas e décadas. Os ouvidos y otras cositas más.
Agora, a coincidência final uniu os dois ainda mais. Fidel se foi quando Papai Noel vem chegando. Fidel se foi enquanto Papai Noel e os duendes embrulhavam presentes, e capitalistas do mundo inteiro corriam pras lojas pra comprar o que podiam e o que não podiam. As coincidências acabam aí. Pra Papai Noel, o Natal vai ser o de sempre, sempre novo, sempre igual. Pra Fidel, evidentemente vai ser muito diferente, talvez azul, cheio de nuvens e anjos, talvez vermelho e quente, cheio de diabinhos, vai saber. Pros inimigos da revolução, não muda nada. Pro pessoal lá da ilha, não sei se o Natal muda muito, não sei se vai ter Papai Noel, mas é certo que não vai ter bicho papão. Fidel morreu. Papai Noel vive. Tchau, Fidel. Vem, Papai Noel.

12.11.16

insônia

Na insônia, passeio pela minha fazenda. É raro ter, insônia. Quando tenho, não sei bem o que faço dela. Já sei que não adianta a agonia, já sei que às vezes é melhor levantar e ler até o sol raiar, esperando que cedo ou tarde o cansaço me vença. Isso depois de ter tentado o relaxamento, que começa das pontas dos dedos e vai subindo pelo corpo, e geralmente na altura das coxas já me faz dormir. Assim vinha levando a insônsia, até ter o estalo de gênio. Vou passear pela minha fazenda. Vou refazer o caminho que eu fiz tantas vezes, que sempre quis gravar e só gravei quando estive lá pela última vez, sabendo que ia ser a última vez. Gravei no vídeo e, hoje sei, na alma. Comecei antes de virar na placa, passei pela figueira, dei uns passos e parei. Fui girando e gravando o que via pelos lados, pelas costas, depois andei mais, parei, girei de novo. O cenário variava pouco, mas os ângulos iam mudando, formavam quadros, formavam fotos diferentes. Fui em silêncio, ouvindo os barulhos, gravando meus passos, vendo os bichos, passando pelo curral, chegando no bambuzal, nas cocheiras, na praça, parando e girando. O cenário aí já era outro, a lagoa na frente, mais cocheiras e pastos, a subida pra casa, a placa lá embaixo, lá no fundo, e o caminho já percorrido. Passo pela outra placa, pelo riachinho seco, as flores dos dois lados, a cerca gasta, as pedras, o jardim, orgulho da vovó, o jardim. Dali, de novo a lagoa, o pasto, a entrada de casa. Não chego a entrar, durmo antes. A sala e os quartos visito só no dia seguinte, quando acordo. É bom ter insônia. Na insônia, passeio pela minha fazenda.