31.8.08

contos canadenses - só no cinema

Stanley Park, o maior de Vancouver. Onipresente, quase um Cristo Redentor. Tive uma idéia, a irmã diz, vamos comer num restaurante aqui perto. Onde? Aqui no parque mesmo, é logo ali. Não, não é logo ali. É lá, do outro lado do parque. Mas isso a outra irmã e a amiga só descobriram duas horas depois, quando finalmente chegaram ao tal restaurante, que por sinal estava fechado. O mapinha era claro: you are here, o ponto de partida está lá, do outro lado do parque. Uma linha reta perfeita, cruzando o parque de alto a baixo. Estamos falando de alguns quilômetros, senhoras e senhores, não é drama, não. Não quilômetros desejados ou planejados. Quilômetros que só se revelaram quilômetros quando já estávamos lá pelo meio da trilha, no meio do nada, sem saber se era melhor seguir ou voltar. Seguimos, porque afinal era "logo ali". Bom, restaurante fechado, vamos tomar um táxi, que ninguém é louco de voltar andando pelo meio da mata àquela hora, quase noite. Na falta de táxi, ok, um ônibus. Na falta de ônibus, brinca a amiga, carona. Rimos e tomamos a estrada, que carona é coisa de filme, pelo amor de Deus. De filme e de maluco. E tome estrada, e tome estrada... e cai a noite. Chapeuzinho Vermelho vai na frente, rindo, despreocupada, sem medo de lobo mau, urso ou caçador. A irmã prudente e a amiga vão atrás, imaginando que em menos de uma hora o breu vai ser total e elas não vão estar nem na metade do caminho. Poderiam ter cortado uma hora voltando pela trilha, mas entrar no coração da mata àquela altura, nem pensar. A estrada, a rigor, não era muito diferente da trilha: sem luz, mato fechado pros dois lados, ninguém por perto. Mas pelo menos era estrada. No caso de um ataque de urso, havia alguma chance de que um carro parasse pra ajudar. Ah, melhor nem pensar agora que na semana passada duas pessoas foram atacadas por ursos na mesma área. Uma morreu e a outra, num estado que nem te conto, ainda pena no hospital. Não, melhor matar o tempo calculando quantas horas ainda faltam para o destino final. Ou pra qualquer destino, desde que fora do matagal. Duas ou três horas, é a conclusão a que chega Chapeuzinho. Transcrevo a equação: meio parque é igual a dez horas divididas por dois, cinco, o lado de cá é menor, então quatro, menos uma e pouco que já andamos, duas ou três. Em duas ou três horas, não vai ser noite, vai ser madrugada. Há momentos na vida em que uma mulher adulta tem que encarar os fatos e fazer o que é preciso. Ao sentir nas costas o farol de um carro, me viro, estico o dedão e... peço carona. Sim, eu fiz, eu pedi carona. Sim, eu nem olhei pra cara do motorista. Meu amigo, se fosse o bandido brasileiro, naquele momento, podia me levar. O carro desacelera, claro, encosta, ufa, e... segue em frente. Agora vamos entender a situação: à esquerda no rink, um garotão, à direita, três mocinhas, ouso dizer, elegantes. O garotão pára, olha e vai embora... Azar de principiante, ora. Não é por isso que eu vou desistir. Palavra de veterana: pedir a primeira carona é difícil, a segunda é difícil. Na décima, vc já nem sente. É só aparecer um carro e o dedão já vai se esticando sozinho, todo assanhado, sem nem esperar comando. Décima? Vigésima, trigésima! Ninguém parou, ninguém. Ninguém encostou o carro pra dizer e aí, tão perdidas, precisam de ajuda? Nada. Não há por que manter a pose quando já se está mesmo no fundo do poço. Por isso, confesso. Tive, sim, a ilusão de que fosse ser fácil. Pensei, sim, que os carros fossem fazer fila. Tive medo até de causar um acidente, caso dois carros resolvessem parar ao mesmo tempo, brigando pela chance de me oferecer uma carona. Só nos cinemas, leitores, só no cinema. Na vida real, das duas,uma: ou tem alguma coisa errada comigo ou com esses canadenses. Fica a dúvida.