24.6.07

a número um

A neta explica pro produtor, marido da amiga, que a avó tem oitenta e um anos, que é louca pelo Rei, que daria tudo pra conhecê-lo e sabe-se lá quanto tempo mais ela vai viver, poxa, quebra esse galho. Com isso, consegue a pulseirinha pra entrar no camarote depois do show. A avó mal se aguenta de emoção. Manda lavar o blazer azul, que ela que não é boba de visitar o Rei com outra cor, mal dorme na véspera, fica pronta às três da tarde e às seis já quer sair, mesmo morando ali na esquina. Chegam com duas horas de antecedência, mas a avó não tira os olhos do palco, como se o Rei fosse aparecer a qualquer minuto. No que as mesas vão sendo ocupadas, a neta espalha pra todos que a avó é a fã número um do Rei e que hoje, graças a ela, vai encontrá-lo. A avó, meio encabulada, diz que não queria dar trabalho, mas que a neta é mesmo muito especial, qual outra enfrentaria aquele programa só por causa dela? A neta, modesta, diz que não se importa, que o que interessa é a felicidade da avó. O show começa e a avó parece que entra em transe. Pra despertá-la, a neta de vez em quando grita uns eu te amo, Rei. A avó não deixa de acompanhar, aos gritos de eu também! Quando o Rei ataca de Jesus Cristo, a neta avisa que é hora de partir pro camarim. A avó ainda resiste um pouco, porque sair de show do Rei sem pegar uma rosa no final é o mesmo que não ir, mas acaba concordando. Vai ganhar rosas no camarim, a neta lembra, e ainda fotos, beijos, tudo que uma fã de oitenta e um anos merece. De fato, o Rei recebe a avó com todo o carinho, conversa, beija, abraça. A neta, comovida, acompanha a cena. Quando a avó, dando-se por satisfeita, resolve ir embora, a neta pula no pescoço do Rei. E agradece a gentileza, e diz que não esperava que ele fosse perder tanto tempo com uma senhora, que só um rei como ele mesmo. E enquanto vai falando, vai se enroscando no Rei. Sorri pra ele, conta que a avó anda viciada em Emoções, mas já teve fase de ouvir Cavalgada sem parar. Muito boa música, Cavalgada, suspira. Começa a cantarolar baixinho: Vou me agarrar aos seus cabelos, pra não cair do seu galope... E alisa a cabeleira de chapinha do Rei, que sorri meio de lado e repete seu brigado, brigado, sem ousar se mexer. Quando, mais empolgada, resolve mordiscar a orelha real, ameaçando cavalgar por toda a noite, o Rei faz um discreto sinal pra um segurança e acaba com a festa. A neta sai arrastada, mas da porta ainda grita: Não adianta nem tentar me esquecer, Rei, um grande amor não vai morrer assim. E vão-se embora, ela e a fã número dois.

14.6.07

a verdadeira prova

Catarina resistia, mas Vítor queria porque queria uma prova de amor. Mal ela entrava no fusquinha azul bebê, Vítor começava a lengalenga. Vc me ama? Claro que sim, amor. Então prova. Mas, Vítor, vc tem dúvida? Vítor ignorava a pergunta: se vc me ama, prova. Aí era um tal de beijo pra cá, abraço pra lá, Catarina pedindo menos, Vítor pedindo mais... As juras de amor de Catarina não serviam de nada, Vítor não abria mão da tal prova. Toda noite era igual. O fusca azul bebê estacionava, Catarina entrava e Vítor exigia a prova. A moça não cedia, o rapaz não desistia e no encontro seguinte a agonia recomeçava. E assim termina a história, sem que se saiba se Catarina se rendeu ou não. Agora, que ela amava Vítor, lá isso amava. Amava tanto que nunca explicou que aquela que ele queria era uma prova menor. A maior ela dava todos os dias: desfilar, diante da vizinhança inteira, num fusquinha azul bebê.

6.6.07

o último romântico

O Pablo é mesmo um romântico. Liga o som e encosta o celular pra namorada ouvir. Tem coisa mais romântica do que botar música melosa pra tocar por telefone? O Pablo é mesmo muito romântico, mas já está exagerando. Pô, Pablo, vc tá aí há uns cinco minutos, a menina vai cansar. Vai nada, deixa ela. E continua lá, todo bobo. Uns dez minutos depois, finalmente fala: alô, Taís, só mais um pouquinho, já vou falar com vc, tá? Taís? Sua namorada não se chama Joana? Chama, mas não tô falando com ela, não. Essa é a Taís, atendente da Claro. Mal contendo a alegria, Pablo cola novamente o celular no rádio e comenta: pena que tá tocando essa musiquinha, tinha que ser um pancadão. Tinha.