26.4.07

mais uma de altar

A tia-avó fez saber, aos presentes e ausentes, que a renda do vestido era francesa, importada para a ocasião, e que a bolsinha era Chanel - vintage, fazia questão de dizer, que a última moda era esse negócio de vintage. A tia-avó não abriu o cortejo, como pretendia, mas veio em boa posição. Desfilava como se estivesse numa passarela, controlando o marido, fazendo questão de se distanciar dos padrinhos da frente. Não estava ali para ser encoberta, queria brilhar. Bem no meio da igreja, tropeçou. Não chegou a cair no chão, foi pior. Ficou suspensa pela mão do marido, balançando-se de um lado pro outro. Ah, pra que falar na renda do vestido e na grife da bolsa? Se tivesse avisado que ia cair daquele jeito, a tia-avó teria sido desde o início a estrela da noite. Se bobear, até no lugar da noiva teria entrado. Aliás, pra que noiva diante de uma cena daquelas? A tia-avó desmontou toda. O vestido rasgou, o cabelo soltou, a bolsinha caiu, a igreja inteira riu. Riu pra dentro, engolindo, mas riu. Depois de um tempo balançando, a tia-avó conseguiu se equilibrar. Levantou e fez que não foi nada, feito criança que apanha e diz que não doeu. Jogou o topete pra cima, largou a bolsinha pra trás e seguiu em frente, tentando manter a classe que restava. No fim da cerimônia, veio ela falar com a Vovó: Nair, vc viu o tombo que eu levei? E Vovó, que estava sentada no meio da igreja e quase foi atingida pela cunhada em queda: tombo, que tombo? Ué, Nair, o que eu levei na igreja, vc não viu? Não, não vi, vc caiu? Caí, uai, bem na sua frente. Negar um tombo daqueles chega a ser uma ofensa à sanidade mental da vítima, mas Vovó negou. Fiquei até ofendida pela tia-avó, mas ela adorou: ah, se a Nair, que é tão atenta, não reparou no tombo, que, pensando bem, foi mais um tropeço, uma topadinha, ninguém deve ter reparado também. Assim, a tia-avó convenceu-se de que não houve nada e apagou o episódio da memória. Infelizmente, só da dela.

22.4.07

móimóimói

A mãe troca a fralda da filha mais nova, o bebê lindo, gordo, louro de cachinhos, olhos azuis enormes e boca pequenininha. A outra filha, normal como toda morena e dois anos mais velha, distrai a irmãzinha. Canta uma éspecie de mantra, mómóimói, e, hipnotizado, o bebê nem se mexe. Vou adotar esse móimóimói, pensa a mãe, acostumada a penar pra trocar as fraldas da irriquieta caçula. Acabada a função, a mãe se senta pra olhar as filhas brincando juntas. A cena é de tocar qualquer coração materno: a mais velha tenta enfiar na minúscula boca da mais nova uma pecinha de lego, a mais nova, quase sufocada, tem os olhinhos azuis arregalados e cravados no teto, a mais velha repete baixinho: morre, morre, morre. Pra desgosto das crianças, a chata da mãe interrompe a brincadeira.

17.4.07

quase perfeito

A igreja, pequenininha, estava linda, lotada de flores e pessoas queridas. A noiva estava mais linda ainda e toda à vontade no altar, aproveitando seu momento. No rosto do noivo só se via felicidade e não os cinco pontos que ele conseguiu levar na boca na véspera do grande dia. A mãe da noiva, tirando a filha, era a mulher mais bonita da noite e o pai estava emocionado na medida certa e emocionante até não poder mais. O casamento foi todo um encanto, com direito até a gracinha do pajem. A festa, depois, foi de arrebentar e escancarou a alegria dos noivos e dos convidados. Pra não dizer que foi perfeito, teve, sim, um defeitinho. Faltou a noiva caprichar um pouco mais na hora de jogar o buquê. Mas foi só isso.

10.4.07

pra jc e toda a nação

A avó veio sozinha pro Rio aos dezesseis anos. Estranhou no começo, mas não demorou a assimilar as novidades. Em pouco tempo, perdeu o medo do bonde e o arzinho caipira, dominou a cidade e suas principais atrações. Não havia nada que dissesse respeito ao Rio que ela não conhecesse. Mistério mesmo, só o flaflu. Quebrava a cabeça tentando entender o que a palavrinha queria dizer, mas não conseguia. Ficava esperando a oportunidade de perguntar às amigas sem parecer ridícula, mas nenhuma tocava no assunto. Acabou concluindo que aquilo era conversa de homem, secreta. Chegava a corar quando ouvia os rapazes falando em flaflu. Aos domingos, com o burburinho no auge, nem saía de casa. Moça sozinha, melhor não brincar com flaflu. A avó passou a vida atormentada pela dúvida até descobrir, já velhinha, o que era um flaflu. Quem explicou foi a neta, que já nasceu sabendo o que era Fla x Flu, Fla x Vasco, Fla x Bota, a freguesia inteira. E que sabe, ah, como sabe, que os quinhentos e sessenta e oito do galinho valem muito mais do que mil.