24.10.09

da imensa ternura que eu sinto por ele

O B era quem guiava a charrete. O B ia cantando, e as músicas que ele cantava até hoje eu sei de cor. O B ainda tem a mesma cara, mesmo com as rugas e a barba meio branca. Não é com frequência que a gente se vê, mas quando acontece é sempre igual. O B traz a charrete e a gente sai sacolejando pelos caminhos mais esburacados, por ladeiras tão íngremes que olhando lá de cima parece até que vai todo mundo capotar. E eu sinto o fascínio de sempre, e penso como é que pode, que só o B mesmo, que ele é o tal. E engulo o medo e finjo que tá tudo bem, que não tem susto nenhum. Mas o B vai guiando seguro, e vai falando, contando da vida, feito amigo assim de todo dia. E eu não vou dizer que é como se fosse, que aí também já é dar muita bola pro B. Mas eu digo, e eu sempre sinto, que o que me faz falta mesmo daquele lugar, além da charrete, e da festa junina, e do lustre do quarto da vovó, e de tirar lama da sola da galocha com palitinho, e de brincar de caçada à noite, e de acampar no jardim, e de nadar na lagoa, e de dormir todo mundo junto no quarto grande, o que me faz falta mesmo daquele lugar é o B. E, entre as alegrias de voltar lá, além de saber que a viagem enorme tá terminando, e de virar na placa, e de passar pelo bambuzal, e de entrar em casa e ver tudo do mesmo jeito, entre essas alegrias todas, está saber que logo, logo o B vai aparecer. E ele vem sempre sorrindo - não tem barba, nem ruga, nem coisa nenhuma que mude o sorriso do B - e me cumprimenta e vai buscar a charrete. O B, que bom, é sempre igual. Pena só que ele não canta mais.