30.12.06

mãos ao alto

Vovó concorda com a ida ao médico. E olha que ela nem sabe quem é, eu escolhi sozinha. Ele nos recebe, acomoda, pergunta o nome da Vovó e o que ela tem. Sabe quando o guardinha pede documentos e o motorista inverte o jogo e diz que ele que se identifique antes? Pois é. Vovó se empertiga toda e responde que primeiro quer saber o nome e a especialidade do doutor. Teria sido menos impactante se tivesse puxado um revólver da bolsa e anunciado um assalto.

26.12.06

lobo mau

É chamado de Lobo Mau e gosta. Chega a usar o apelido como sobrenome, só assina Jorge Lobo Mau. O velho lobo anda pelos corredores da Justiça gritando barbaridades, usa o elevador no lugar do ascensorista, sem pedir licença, canta tudo que é mocinha. Às vezes, aparece de terno vermelho, à moda da Chapeuzinho. Um dia, sentou-se à mesa de audiências, apontou pra lourona a sua frente e disse: é minha ex-mulher, Excelência, essa audiência não vai dar certo. De fato, não deu. Tendo a ex-mulher como ex adversa, Lobo Mau levou uma surra. Aproveitou pra provocá-la sem piedade. A platéia adorou, rolou de rir. O próprio juiz rolou, era incontrolável. Furiosa, mas mantendo a linha, a ex venceu de lavada. Derrotado, Lobo Mau apelou. Fez um longo discurso, alegando que a empresa oprimia o autor com tantas provas, que todos sabiam o que os empregadores fazem com seus funcionários, que a vitória tinha que ser da parte mais fraca. Acabou com ameaças terríveis caso o autor perdesse. Poupou as mulheres, mas sentenciou que os homens presentes nunca mais iam ser homens de novo. E isso só pra começar. Era o castigo dos céus. Exaltou-se tanto que os botões do paletó começaram a se despregar. A ex fez graça: cuidado, o castigo está te pegando. E Lobo Mau, virando-se para a platéia: não tem problema, depois vc costura.

22.12.06

jogral

Na casa da minha avó, todo Natal tem jogral. Cada um ganha um número e lê um pedaço do texto. Alguns sozinhos, outros em dupla ou em trio. Todos os anos, eu lia com um senhor de voz engraçada, que sempre errava a fala e me matava de vontade de rir. Esse senhor, parente de alguns dos meus primos, costumava passar o Natal lá na vovó. Era simpático, mas fazia sempre as mesmas brincadeiras. Tinha mania de cantar uma musiquinha com meu nome, nunca mudava. Eu achava aquilo um pouco enjoado, mas gostava dele. Ele morreu há alguns anos. Foi quando descobri que era meu parente também. Os outros netos devem ter tido a mesma sensação, porque foram ao enterro sem que ninguém precisasse forçar. Carregaram o caixão espontaneamente e meu irmão nem se importou de ficar com o terno todo sujo de cal. Foi a primeira vez que eu vi minha família toda reunida sem ser Natal. Quem me deu essa visão foi meu companheiro de jogral. Eu sempre ouço a voz dele quando falo nosso trecho.

21.12.06

camarão

O Camarão é uma hola. Quando ele passa, o centro inteiro se levanta e grita. O barulho começa bem longe, alcança a gente e continua até morrer lá na frente. Vai todo mundo pras janelas assistir, o bairro pára. O Camarão é um sucesso. Deveria ficar lisonjeado, mas não gosta, não. Xinga, fica vermelho, cai como um patinho. Não sabe que reagir só piora as coisas. Dá pra imaginar como tudo começou. Um vizinho gritou "camarão, camarão!", o Camarão se exaltou, dois vizinhos gritaram "camarão, camarão!", o Camarão se exaltou mais ainda. Com o tempo, o prédio, a rua, o bairro inteiro passou a gritar. Logo vai ser o Rio todo, num interminável coro. O pior é que ele fica, sim, vermelho feito um camarão, mas o apelido não vem daí. Um dia, a mulher do Camarão avisou: meu bem, vou comprar camarão e já volto. Nunca mais voltou e ele, não bastasse ficar sem mulher, se transformou na piada da cidade. Até no jornal já foi parar. Os que não conhecem a história, ou pensam que é lenda, entram em pânico quando se vêem na crista da onda. Acham que é tiroteio, arrastão, quem sabe o apocalipse. Que nada, é só o Camarão.

19.12.06

carneirinhos

Há quem conte carneirinhos. Vovó conta mobília. Graças às noites de insônia, Vovó sabe que tem cinquenta e duas camas e sessenta e sete cadeiras. O número de sofás continua desconhecido. Vovó dorme sempre antes de terminar a conta.

17.12.06

down, down, down

A mulher não sairia de Londres sem comprar o tal creme que valia por uma plástica. Foi cumprir a missão logo no primeiro dia, mas não conseguia achar a loja. O número simplesmente não existia, embora ela tivesse anotado o endereço com toda a atenção. Pediu ajuda a um guardinha, que explicou que a loja era ali mesmo, downstairs. A mulher só conhecia downtown, mas achou que era tudo a mesma coisa. Ok, downtown, lá vou eu pro centro. E o guardinha: não, downstairs. Guarda burro, já entendi que é no centro. No, madam, downstairs. Ficaram nisso um bom tempo até que o guarda, já exausto, puxou a mulher pela mão até a beira da escada e disse: you see? Downtown. E lá se foi ela, downtown abaixo.

15.12.06

só de maiô

Lívia era uma coroa e tanto. Bonitona, chamava a atenção por onde passava. Deve ter um corpão, as pessoas pensavam. De fato, tinha, mas não exibia. Há muitos anos, Lívia não era vista de biquíni. Achava que não ficava bem pra uma senhora da sua idade. Não o biquíni, o piercing. Quando os piercings surgiram, Lívia não era garota, mas seu sonho era usar um. Passou um bom tempo no dilema, até resolver fazer o próprio gosto. Deu com uma mão, tirou com a outra. Prometeu nunca mais exibir a barriga em público. Nem namorado arranjava, pra não entregar o segredo. A vida com o piercing impôs a Lívia certas limitações, mas, pra ela, nada se comparava ao prazer de chegar em casa e, sozinha na frente do espelho, desfilar a barriga escultural enfeitada com a pedrinha.

14.12.06

tarde demais

Comprou o chinelo vermelho, salto plataforma, dois números acima do tamanho, num revéillon na praia alguns anos atrás. Pagou uma fortuna, mas não havia solução. Quem mandou se meter no meio de areia, chuva e cerveja com a sandalinha de salto que em cinco minutos destruiu seu pé? O jeito foi apelar pro chinelão cafona, comprado na única loja aberta na região. Era horrível, mas ficou com ele. Não ia se desfazer do alto investimento só porque o ano já tinha virado. Passou a usar em casa, era ótimo contra cacos de vidro e chão molhado. Volta e meia, saía com ele, mas percebia a tempo e voltava. Até o dia em que quando viu já ia longe. As pessoas olhavam e ela, boba, achava que estava abafando. Custou a entender que a razão do sucesso era a combinação blazer, saia, chinelo. Descobriu quando não havia mais o que fazer. Não podia deixar juiz e cliente esperando pra ir em casa trocar de sapato. Imaginou a cena de horror: a entrada na sala apinhada de gente, o choque na cara de todos, a fofoca se espalhando pelos corredores. Decidida, jogou o chinelo no lixo e entrou descalça mesmo. Bom dia, excelência, desculpe o meu estado, fui assaltada. O juiz olhou a mulher, impecavelmente vestida e penteada, e demorou a descobrir o que estava errado. Ladrão estranho esse, doutora, deixou as jóias e a bolsa e levou só o sapato. Ladrão de nível, excelência, tinha olho. Meu sapato sozinho valia mais do que todo o resto junto. Ele não perdeu tempo com bobagem, foi direto no que importava. Pelo menos, não fui assaltada por um ladrão qualquer. Bem, doutora, este Juízo lamenta o ocorrido e autoriza sua participação na audiência sem o sapato, pode se sentar. Obrigada, excelência, mas ainda estou muito abalada. Vossa Excelência me concede cinco minutos pra tomar uma água antes de começarmos?

13.12.06

vovó em londres

Vovó estava péssima quando viajamos. Sofria de reumatismo, polimialgia, sei lá, praticamente não podia andar. Um dia com ela equivalia a três horas sem. Mamãe não aguentava e partia na frente. Uma tarde, não sei de onde, surgiu um tal seu João. O homem começou a nos acompanhar pela rua, batendo um papinho com Vovó. Seu João era simpático e a idéia de tê-lo como avô bem que me animou. Com o tempo, o velhinho foi pegando cada vez mais velocidade e percebi que meus planos pro futuro iam acabar ficando pra trás. Engano meu. Vovó passou a marcha e disparou com ele. Não tinha dor, não tinha cansaço, estava ótima. Mamãe até se assustou quando viu o foguete passar por ela, esbanjando disposição. Como ficamos pra trás, não há como saber por que Vovó deixou o partido escapar. O fato é que continuou solteira, e as dores, que coincidência, reapareceram ainda mais fortes.

11.12.06

muito liberal

Pai e filho partiram pra Bahia sem pouso certo. Iam pulando de praia em praia, escolhendo de dia a pousada em que dormiriam à noite. Normalmente, passavam por umas cinco antes do pai se decidir. O filho, preguiçoso, sempre esperava no carro. Naquele dia, o pai escolheu logo a primeira. Não que fosse nenhuma maravilha, mas a dona, Dona Diva, era, ela sim, maravilhosa. Cheio de charme, o pai combinou preço, quarto e avisou: só um minuto, vou chamar o Claudinho, meu filho. Quando Dona Diva bateu com o olho no garotão de um metro e noventa, bronzeado e lindo de morrer, disparou na lata: se vcs quiserem, temos quarto de casal. Como assim, se assustou o pai. É, a pousada aqui é muito liberal. Que é isso, Dona Diva, o Claudinho é meu filho, quer ver nossos documentos? Não quero ver nada, o senhor não me deve explicações. O quarto é ótimo, o Claudinho, seu filho, vai adorar. Não adiantou o pai insistir, teve que dormir agarrado com o filho na mesma cama. Cama de viúva, ainda por cima.

vermelho, amarelo, verde, azul

Chove a qualquer hora em Nova York, é uma praga. Comecei com um guarda-chuva pequeno, simples, fui progredindo até chegar a um tamanho GG, multicolorido. Uma imensa pizza de oito pedaços, cada um de uma cor. Durante um temporal, já recebi oferta de sessenta dólares por ele, mais de duzentos por cento de lucro, mas resisti. Foi meu melhor amigo em NY, é meu grande inimigo aqui. Jamais andaria pelas ruas brasileiras com a aberração colorida, mas mamãe adora. Anda pra todo lado, com ele e comigo. Às vezes, dá carona pros três filhos e ainda sobra espaço. Quando chove, junta gente na frente de casa só pra ver mamãe passar. Sou conhecida na vizinhança: " lá vai a filha da barraqueira". A barraca até que tem sua utilidade. Os pivetes não ousam se aproximar, assustados com o espeto pontudo e afiado que coroa a peça. Fazem bem. A descoordenada mamãe já quase me furou o olho com aquilo. Mas nada se compara ao dia em que, esquecendo-se de que eu estava com ela, fechou o guarda-chuva em cima de mim. E não conseguiu mais abrir. Fiquei no meia da rua com a coisa me cobrindo da cabeça aos joelhos. Preferia morrer sufocada, o que de fato quase aconteceu, a ser resgatada de um guarda-chuva diante da multidão. Preferia, mas os deuses não me ouviram. Não deixei barato. Espalhei pra todo mundo que lá em casa é assim. Quando contrariada, mamãe não quer saber de armário ou quarto escuro. Tranca os filhos no guarda-chuva gigante.

9.12.06

rogério ceni

Jogava bola como ninguém, era um matador. Nas peladas do sítio, era sempre o artilheiro, disparado. O time que ficava com ele, no entanto, tentava de todo jeito anular o sorteio. Às vezes, os jogadores, revoltados, ameaçavam nem entrar em campo. Melhor perder por W.O. do que passar pelo vexame. É que o moleque era mesmo um talento, mas não podia ver um gol, do seu time ou do adversário, que metia a bola dentro. Jogo com ele nunca acabava com um ou dois gols. Fazia logo uns dez. Em dias bons, cinco a favor e cinco contra. Se o outro time não fizesse nenhum, dava um comemorado empate. O mais comum era fazer logo os dez de um lado só, o seu. Rogério lutava contra o impulso, mas não adiantava. Quando via o gol, batia. Acabou condenado a goleiro, de costas pro gol. De lá só saía em casos especiais, diretamente pra área do adversário. Batia, não tinha erro, era gol.

8.12.06

menos pra ela

Aquele homem gordo e feio era dela. O homem era gordo e feio, mas ela não sabia. Gostava de dormir com ele, gostava de antes de dormir com ele, gostava de saber que era, ela, a dona dele. De vez em quando, vinha pra cama mais cedo, fingia que dormia e esperava o homem chegar, só pra espiar enquanto ele se trocava. Abria os olhos um pouquinho e ficava olhando, pensando por que sorte aquele homem era seu. Apertava os olhos enquanto ele lia e esperava quietinha que apagasse a luz e adormecesse. Aí, passava a noite acordada, tateando o homem que era gordo e feio pra todos, menos pra ela.

7.12.06

pilastra assul

A mãe não falava nada de espanhol, mas não se convencia. Mesmo com três filhos fluentes na língua, era sempre ela quem se comunicava com os nativos, num sofrível portunhol. Gastou duas horas e vinte minutos pra alugar um carro em Madri, e isso porque a funcionária era muito esforçada e tinha vivido seis meses no Brasil. Afinal, com documentos e chave na mão, disse: vamos, meninos, está na pilastra azul. Chegaram ao estacionamento e não havia nenhuma pilastra dessa cor. Tem que ter, ela repetiu muitas vezes, pilastra assul. Percorreram o longo estacionamento de alto a baixo e nada da tal pilastra. Tudo lá era branco, à exceção dos carros. Finalmente, a mãe resolveu pedir ajuda e, depois de mais uns quarenta minutos, voltou, sorridente: vamos, meninos, nosso astra azul está logo ali.

6.12.06

agudo demais

A longa viagem no carro apertado beirava o insuportável. A mãe e a empregada não davam conta de controlar os três meninos, que gritavam sem parar no ouvido do pai. Quando a paciência chegou ao fim, o pai, sem olhar pra trás pra não ser injusto, virou o braço e tascou um beliscão no primeiro que apareceu. Nada sério, um beliscãozinho rápido, só pra assustar. O grito que se seguiu não correspondeu à agressão. Foi intenso, agudo, agudo demais. Um grito de mulher. O pai havia beliscado a empregada, a que vinha lhe tirando o sono há semanas. Chegando ao destino, o pai aplicou uma bela surra nas três crianças. Por culpa delas, que não gritaram o suficiente, perdeu a oportunidade de dar um apertão caprichado na coxa da moça.

5.12.06

garotinhos

Não é o governador ter ganhado estátuas dele e da primeira-dama, em bronze, tamanho natural, no banco da praça de São Fidélis. Nem sei onde é São Fidélis. Não é o prefeito ter usado dinheiro público pra fazer as tais estátuas. Não é nem os moradores de São Fidélis terem agora que dividir o assento com o casal estático. Já disse, nem sei onde é São Fidélis. Também não é as estátuas terem sido romanticamente colocadas naquela praça porque foi onde o governador fez uma entrada triunfal a cavalo, espatifou-se e conquistou a primeira-dama. É o tombo ter dado em namoro, o namoro ter dado em casamento e o casamento ter dado no que deu e no que ainda nos dará.
Não é uma croniqueta, é só um desabafinho. E pra terminar: Garotinho ficou mais magro, mas até bem parecido. Rosinha está diferente, mas gorda e feia como sempre.

4.12.06

Père Noël

Vovó tem o telefone do Papai Noel. Não sei o que ela fez, mas, quando os netos começaram a achar o velhinho muito parecido com o tio, tratou de descolar o telefone. Os milhões de criancinhas que escrevem cartas com pedidos todos os anos morreriam de inveja se soubessem que no catálogo da Vovó está lá: Père Noël, número tal. Volta e meia pego os dois conversando ao telefone. Vovó não dá chance ao azar. Controla as rotas do Papai Noel, sabe a hora certa em que ele vai passar. Pelo tempo que leva na casa da Vovó, distribuindo presentes pros netos, namorados, amigos e simpatizantes, não sei como Papai Noel consegue dar conta de suas obrigações com o resto do mundo. Na Vovó, pelo menos, não tem erro. Todo ano, mais gordo, mais magro, mais velho, mais novo, com barba de verdade ou postiça, o velhinho sempre vem.

2.12.06

d'accord?

A mãe fala francês, arranha no inglês e no resto chuta que é um horror, mas se sente a poliglota. Viaja três vezes por ano. Não pelo prazer de viajar, mas para conversar com todo e qualquer estrangeiro que cruze seu caminho. Puxa conversa com taxistas, recepcionistas, garçons, vendedores, quem aparecer. É um custo sair do hotel. A mãe passaria o dia inteiro na recepção, só conversando. Quando sai, pega um táxi e é outra guerra. A corrida de cinco minutos acaba durando uma hora. A mãe faz o taxista passar várias vezes pelo local de destino, só pra não interromper a falação. Quem já a viu se esforçando em italiano, espanhol e até japonês, que julga dominar, sabe o que representa dar voltas e voltas trancada num carro enquanto ela fala. Vez por outra, até os taxistas se cansam e abrem mão de cobrar a longa corrida, desde que ela desça imediatamente. A mãe adora taxistas, mas é especialista mesmo em recepcionistas. Faz sempre amizade, chega até a trocar cartõezinhos no Natal com muitos deles. Se encantou por um jovenzinho em Paris - tão simpático, minha filha, vcs precisam conversar. A filha conversava. Dava bom dia, boa noite, pedia a chave, agradecia, enfim, conversava. Subia pro quarto e a mãe continuava no bate-papo. Quando chegava, a filha quase sempre já estava dormindo. Uma noite, a mãe entrou aflita. Minha filha, o Pierre vai embora amanhã. Foi despedido? Não, troca de plantão. Vc me acordou pra dizer que o cara vai folgar? Não, te acordei pra vc se despedir. A filha tentou voltar a dormir, mas a mãe não desistiu. Liga lá pra baixo, minha filha, diz que vai sentir a falta dele. Sabendo que a mãe seria capaz de passar a noite insistindo, a filha ligou. Nem ouviu direito a resposta do rapaz, começou a cochilar antes do fim da ligação. Só pescou um demain, d'accord? Ça va, demain, d'accord. A mãe deu um pulo. Demain d'accord o quê? Sei lá, mãe, tava dormindo. Minha filha, ele marcou um encontro com vc? Bom, se tiver marcado, amanhã a gente desmarca. E se ele quiser te sequestrar? Mãe, é um recepcionista, não é um psicopata. E se for? A gente troca de hotel. E se ele te seguir? Por via das dúvidas, passaram o resto da viagem trancadas no hotel. Foi duro pra filha perder quatro dias em Paris, mas valeu a pena. Fingindo-se de apavorada, fez a mãe jurar que nunca mais conversaria com estranhos, especialmente com perigosos recepcionistas. Isso vale muito mais do que quatro dias, vale uma vida inteira sem pisar em Paris.

1.12.06

quase perfeito

Mariana não era nada exigente com homens. Na verdade, só não abria mão de uma coisa: que o sujeito fosse absolutamente apaixonado por futebol. Homem que não gosta de ver jogo e não acompanha campeontato não serve pra mim, dizia. O exótico requisito era conhecido por todos. Um dia, vem a prima mais nova: vc não diz que só namora torcedor fanático? Vou te apresentar meu namorado, ele é exatamente assim. Parece perfeito, Marcinha, só tem um defeito. Qual? Já tem namorada, esqueceu? Empolgada por ter encontrado alguém que se encaixava no padrão da admirada prima mais velha, Marcinha tinha esquecido completamente.