14.12.06

tarde demais

Comprou o chinelo vermelho, salto plataforma, dois números acima do tamanho, num revéillon na praia alguns anos atrás. Pagou uma fortuna, mas não havia solução. Quem mandou se meter no meio de areia, chuva e cerveja com a sandalinha de salto que em cinco minutos destruiu seu pé? O jeito foi apelar pro chinelão cafona, comprado na única loja aberta na região. Era horrível, mas ficou com ele. Não ia se desfazer do alto investimento só porque o ano já tinha virado. Passou a usar em casa, era ótimo contra cacos de vidro e chão molhado. Volta e meia, saía com ele, mas percebia a tempo e voltava. Até o dia em que quando viu já ia longe. As pessoas olhavam e ela, boba, achava que estava abafando. Custou a entender que a razão do sucesso era a combinação blazer, saia, chinelo. Descobriu quando não havia mais o que fazer. Não podia deixar juiz e cliente esperando pra ir em casa trocar de sapato. Imaginou a cena de horror: a entrada na sala apinhada de gente, o choque na cara de todos, a fofoca se espalhando pelos corredores. Decidida, jogou o chinelo no lixo e entrou descalça mesmo. Bom dia, excelência, desculpe o meu estado, fui assaltada. O juiz olhou a mulher, impecavelmente vestida e penteada, e demorou a descobrir o que estava errado. Ladrão estranho esse, doutora, deixou as jóias e a bolsa e levou só o sapato. Ladrão de nível, excelência, tinha olho. Meu sapato sozinho valia mais do que todo o resto junto. Ele não perdeu tempo com bobagem, foi direto no que importava. Pelo menos, não fui assaltada por um ladrão qualquer. Bem, doutora, este Juízo lamenta o ocorrido e autoriza sua participação na audiência sem o sapato, pode se sentar. Obrigada, excelência, mas ainda estou muito abalada. Vossa Excelência me concede cinco minutos pra tomar uma água antes de começarmos?

9 comentários:

Anônimo disse...

uma certa dose de cara-de-pau as vezes eh mto bem-vinda

Anônimo disse...

ué, tem amiga minha (linda e loira) que já pediu: "licença, Excelência, posso chorar?", já fazendo bico. Imagina a que esses juízes não estão acostumados..

Anônimo disse...

só faltam roberta e guilmar contarem tb seus causos.sera que os advogados tb têm estórias? drs josé, bruno e os 2 estagiários se manifestem, por favor.

Anônimo disse...

Advogados são, antes de tudo, bons atores, não sabiam?

Anônimo disse...

Toda croniqueta tem um fundo de verdade...

Anônimo disse...

Muito boa. Woody Allen puro. Pensando bem, Mariana, acho que seu paradigma é ele, pelo fino humor e pela categoria.

Mariana disse...

Opa, Woody!

Anônimo disse...

Esses juízes realmente sofrem muito! Conheço um, que depois de uma longa audiência com a Dra. Antonia, nao resitiu e soltou ao final: "Essa aí é quase uma inimputável!"
PS: Coitada, ela apenas atendeu o celular 10 vezes durante a audiencia, sendo que na última vez, no meio da conversa ela falou: "Pode falar com calma, Juca, esse juiz não se incomoda!"

Anônimo disse...

deve ser otimo audiências deste tipo narrado pela mariana. a propósito, a sentença foi favoravel à condessa/advogada descalça?