11.11.09

mais uma da vovó

Vovó exibe orgulhosa o quadro grande e antiquado, perguntando se não é um bom presente de batizado para os gêmeos. A inadequação é tamanha que não ouso dizer nem que sim, nem não. Vovó, talvez desconfiada do meu silêncio, explica que aquela é a igreja em que eles vão ser batizados. Ah, claro, respiro, ótimo presente. Vovó triunfa. Vovó, registre-se, adora triunfar. Vira-se para a tela e suspira: ai, tomara que essa árvore ainda esteja lá. Olho de novo o quadro: nada além de terra batida e uma igrejinha absolutamente rústica, com um grande flamboyant florido na fente. Tento me conter, mas não consigo. Vovó, se essa é a Igreja de São Conrado, ela teve que ser posta no chão e levantada de novo. Mas Vovó, que, como disse, adora triunfar, insiste: é ela, sim, filhinha, tenho esse quadro há muitos anos. Tá escrito aqui atrás, pode ler. Leio: Igreja da Penha, Itaparica, Bahia. Ou seja, muito provavelmente, Vovó tem é o quadro da igrejinha em que o grande João Ubaldo foi batizado. Pois não deixa de ser um excelente presente, pelo menos pra ele, Vovó diz. Vovó nunca se rende.

24.10.09

da imensa ternura que eu sinto por ele

O B era quem guiava a charrete. O B ia cantando, e as músicas que ele cantava até hoje eu sei de cor. O B ainda tem a mesma cara, mesmo com as rugas e a barba meio branca. Não é com frequência que a gente se vê, mas quando acontece é sempre igual. O B traz a charrete e a gente sai sacolejando pelos caminhos mais esburacados, por ladeiras tão íngremes que olhando lá de cima parece até que vai todo mundo capotar. E eu sinto o fascínio de sempre, e penso como é que pode, que só o B mesmo, que ele é o tal. E engulo o medo e finjo que tá tudo bem, que não tem susto nenhum. Mas o B vai guiando seguro, e vai falando, contando da vida, feito amigo assim de todo dia. E eu não vou dizer que é como se fosse, que aí também já é dar muita bola pro B. Mas eu digo, e eu sempre sinto, que o que me faz falta mesmo daquele lugar, além da charrete, e da festa junina, e do lustre do quarto da vovó, e de tirar lama da sola da galocha com palitinho, e de brincar de caçada à noite, e de acampar no jardim, e de nadar na lagoa, e de dormir todo mundo junto no quarto grande, o que me faz falta mesmo daquele lugar é o B. E, entre as alegrias de voltar lá, além de saber que a viagem enorme tá terminando, e de virar na placa, e de passar pelo bambuzal, e de entrar em casa e ver tudo do mesmo jeito, entre essas alegrias todas, está saber que logo, logo o B vai aparecer. E ele vem sempre sorrindo - não tem barba, nem ruga, nem coisa nenhuma que mude o sorriso do B - e me cumprimenta e vai buscar a charrete. O B, que bom, é sempre igual. Pena só que ele não canta mais.