16.11.08

poxa, woody

De todos os rapazes do baile, o que mais encanta a moça já não é mais rapaz. É um senhor velhinho, que pelos óculos enormes, o formato do rosto, a altura e um jeito meio desengonçado de andar, ganhou logo de um dos amigos dela o apelido de Woody Allen. Woody foi o primeiro, no primeiro dia, a tirar a moça pra dançar. Zanzou de um lado pro outro, aproximou-se da mesa, abriu um sorrisinho tímido, esticou a mão em convite e puxou a moça pra pista. No fim da dança, levou-a de volta pra mesa, à moda antiga. Disse um muito obrigado tão sentido, franzindo um pouco os olhinhos por trás dos óculos, que conquistou a moça de vez. Toda semana, ela já chega no baile procurando por Woody. Observa como ele abre a pista, sempre com parceiras diferentes. Sempre uma parceira por dança, sempre levadas de volta a suas mesas, sempre os olhinhos franzidos. Como dança bem o Woody! Como é elegante, até quando alguma moça, que não entende nada da etiqueta do salão, recusa a dança. Nessas horas, a moça se aproxima como quem não quer nada, fica bem à vista e faz cara de surpresa quando ele a tira pra dançar. Outras vezes, flerta com ele. Sabe que Woody não vem assim de primeira. Passa pra lá, lança um olhar, passa pra cá, ameaça um sorriso. Até que se aproxima, fingindo insegurança, como se não soubesse que a moça vai aceitar. Dançam dois sambas por baile, Woody sempre mais assanhado no segundo do que no primeiro, colando bem o corpo no corpo da moça, batendo de leve no próprio rosto com a mão dela. A moça ri. A moça deixa. A moça gosta de pensar que é só com ela, que é graças a ela que Woody, já tão velhinho, volta a ser um rapaz. A moça também dança com rapazes de verdade, claro, e volta e meia é ela quem cola o corpo no deles, mas com nenhum a moça é tão gentil, e nenhum tem por ela a gratidão que Woody tem. São cúmplices. E quando a moça teve que passar seis meses longe do país, pensou em Woody todo sábado à noite. Quando voltou, correu pro salão. Woody não estava. Era cedo ainda, Woody podia chegar, mas o fato de não estar lá pra abrir o baile deixou a moça apavorada. Woody já não era garoto e aquilo não podia ser bom sinal. A moça ficou sentada, esperando por ele, até Woody aparecer. A alegria foi tamanha que a moça chegou a se levantar pra abraçá-lo, mas lembrou que não, que o jogo não era aquele, que o certo era esperar Woody vir. E Woody logo começou a lançar seus olhares e sorrisos. A moça correspondia sem excessos, que cavalheiro não gosta de dama atirada, mas mal podia esperar a hora da dança. Woody andava de um lado pro outro, fazia charme, torturava a moça. Afinal, parou na frente dela, arregalou os olhos, como se tivesse acabado de vê-la, e veio ao seu encontro, sorridente, já com a mão estendida. Aí, se virou e seguiu pro outro lado. O que aconteceu, a moça não sabe e nem vai saber, que se tem uma coisa que dama não faz é correr atrás de cavalheiro. O que se sabe é que a moça jurou que nunca mais dança com ele, nem se estiver abandonado no meio do salão. Pode ser que sim, pode ser que não. Pode ser que da próxima vez Woody aperte tanto os olhinhos pra convidar a moça que ela esqueça a mágoa e os dois voltem a dançar. A moça, feliz, pensando que dançar assim, Woody só dança com ela. Woody, feliz também, dando pancadinhas no próprio rosto com a mão da moça e pensando em nada, que hora de samba não é hora de se pensar. Pode ser, pode até ser. Mas o fato é que ontem, Woody, vc quebrou nosso trato.

27.10.08

deus é brasileiro

A ex-governadora e prefeita eleita de Campos, Rosinha Garotinho, declarou: "Fui a primeira governadora, sou a primeira prefeita e, quem sabe, serei a primeira mulher presidente do Brasil." Impossível, cara senhora. Deus é brasileiro, não nos faltará.

21.9.08

contos canadenses - pollo sin papas

Pollo sin papas, por favor. Sorry? Pollo! Sin papas, santo Dios! Sorry? Resolvo inteferir. McDonald`s canadense, cliente espanhola e atendente coreano, não tem como dar certo. McChicken, please. Fries? No, thank you. Gracias, my hija, gracias. Cafe tambien. Claro, coffee, please! Sugar? Azúcar, señora? No, leche, solo leche! Milk, please. Ah, mas como es hermosa! Gracias, muchas gracias! Que es eso, jo que agradieço! A operação se repete com as oito senhoras. Não mencionei? São oito. Todas maquiadíssimas, alinhadas, me olhando como se eu fosse um anjo caído do céu, o que, pensando bem, é exatamente o que eu sou. Já elas o que são e o que estão fazendo sozinhas num McDonald`s a essa hora da noite, sem falar uma palavra de inglês, só Dios sabe. Muitos "hermosas" depois, pego meu lanche e vou saindo quando começa uma confusão. Olho pra trás a tempo de ver uma das senhoras se debruçar sobre o balcão, agarrar o coreano pelo colarinho e gritar, furiosa: pollo, pollo! Mas é uma incompetência mesmo! Faço o pedido em inglês de primeira categoria e nem assim o coreano acerta! O problema não é meu, mas não resisto e volto em defesa das senhoras. Vale a pena. As oitos não contêm a alegria ao me ver. Ah, hermosa, graças a dios! A mais exaltada larga o coreano e vem buscar meu socorro: Jo quiero pollo, pollo! Claro, señora, pollo, claro. Como é que eu peço um McChicken e esse sujeito me traz um... McChicken! Mas então maluca é a mulher! Pede frango, o coitado traz frango e ela quer mais o quê? O raio me atinge certeiro: McNuggets! Nem coreano, nem espanhola, a culpada foi a hermosa brasileira mesmo. Que, não satisfeita, deixou o circo armado e foi comer seu sanduíche bem longhe dali.

contos canadenses - noite de sábado na tv

Aos que sofrem no Brasil, tenho a dizer que noite de sábado na tv canadense é um tédio só. Certas coisas são iguais no mundo inteiro, leitores, não adianta.

31.8.08

contos canadenses - só no cinema

Stanley Park, o maior de Vancouver. Onipresente, quase um Cristo Redentor. Tive uma idéia, a irmã diz, vamos comer num restaurante aqui perto. Onde? Aqui no parque mesmo, é logo ali. Não, não é logo ali. É lá, do outro lado do parque. Mas isso a outra irmã e a amiga só descobriram duas horas depois, quando finalmente chegaram ao tal restaurante, que por sinal estava fechado. O mapinha era claro: you are here, o ponto de partida está lá, do outro lado do parque. Uma linha reta perfeita, cruzando o parque de alto a baixo. Estamos falando de alguns quilômetros, senhoras e senhores, não é drama, não. Não quilômetros desejados ou planejados. Quilômetros que só se revelaram quilômetros quando já estávamos lá pelo meio da trilha, no meio do nada, sem saber se era melhor seguir ou voltar. Seguimos, porque afinal era "logo ali". Bom, restaurante fechado, vamos tomar um táxi, que ninguém é louco de voltar andando pelo meio da mata àquela hora, quase noite. Na falta de táxi, ok, um ônibus. Na falta de ônibus, brinca a amiga, carona. Rimos e tomamos a estrada, que carona é coisa de filme, pelo amor de Deus. De filme e de maluco. E tome estrada, e tome estrada... e cai a noite. Chapeuzinho Vermelho vai na frente, rindo, despreocupada, sem medo de lobo mau, urso ou caçador. A irmã prudente e a amiga vão atrás, imaginando que em menos de uma hora o breu vai ser total e elas não vão estar nem na metade do caminho. Poderiam ter cortado uma hora voltando pela trilha, mas entrar no coração da mata àquela altura, nem pensar. A estrada, a rigor, não era muito diferente da trilha: sem luz, mato fechado pros dois lados, ninguém por perto. Mas pelo menos era estrada. No caso de um ataque de urso, havia alguma chance de que um carro parasse pra ajudar. Ah, melhor nem pensar agora que na semana passada duas pessoas foram atacadas por ursos na mesma área. Uma morreu e a outra, num estado que nem te conto, ainda pena no hospital. Não, melhor matar o tempo calculando quantas horas ainda faltam para o destino final. Ou pra qualquer destino, desde que fora do matagal. Duas ou três horas, é a conclusão a que chega Chapeuzinho. Transcrevo a equação: meio parque é igual a dez horas divididas por dois, cinco, o lado de cá é menor, então quatro, menos uma e pouco que já andamos, duas ou três. Em duas ou três horas, não vai ser noite, vai ser madrugada. Há momentos na vida em que uma mulher adulta tem que encarar os fatos e fazer o que é preciso. Ao sentir nas costas o farol de um carro, me viro, estico o dedão e... peço carona. Sim, eu fiz, eu pedi carona. Sim, eu nem olhei pra cara do motorista. Meu amigo, se fosse o bandido brasileiro, naquele momento, podia me levar. O carro desacelera, claro, encosta, ufa, e... segue em frente. Agora vamos entender a situação: à esquerda no rink, um garotão, à direita, três mocinhas, ouso dizer, elegantes. O garotão pára, olha e vai embora... Azar de principiante, ora. Não é por isso que eu vou desistir. Palavra de veterana: pedir a primeira carona é difícil, a segunda é difícil. Na décima, vc já nem sente. É só aparecer um carro e o dedão já vai se esticando sozinho, todo assanhado, sem nem esperar comando. Décima? Vigésima, trigésima! Ninguém parou, ninguém. Ninguém encostou o carro pra dizer e aí, tão perdidas, precisam de ajuda? Nada. Não há por que manter a pose quando já se está mesmo no fundo do poço. Por isso, confesso. Tive, sim, a ilusão de que fosse ser fácil. Pensei, sim, que os carros fossem fazer fila. Tive medo até de causar um acidente, caso dois carros resolvessem parar ao mesmo tempo, brigando pela chance de me oferecer uma carona. Só nos cinemas, leitores, só no cinema. Na vida real, das duas,uma: ou tem alguma coisa errada comigo ou com esses canadenses. Fica a dúvida.

10.7.08

a minha vòzinha

A minha vòzinha escreve vòzinha com crase pra ninguém achar que ela é uma voz pequena. A minha vòzinha é pequena. A minha vòzinha pinta o cabelo cada hora de uma cor. A minha vòzinha vivia na minha casa quando eu era pequena. A minha vòzinha não vive mais. A minha vòzinha morava longe. A minha vòzinha agora mora perto. A minha vòzinha quer que eu vá pra casa dela. A minha vòzinha não sabe que a minha casa é a casa dela. A minha vòzinha só fala de política. A minha vòzinha não me deixa dormir na sala. A minha vòzinha tem email. A minha vòzinha fica até tarde me esperando no msn. A minha vòzinha me fez gostar de pintura, leitura e mitologia grega. A minha vòzinha foi à Índia comigo. A minha vòzinha não gostou de Pompéia. A minha vòzinha come mais devagar do que eu. A minha vòzinha só usa homeopatia. A minha vòzinha está coberta de razão. A minha vòzinha me ensinou tudo, tudo. A minha vòzinha me levava à aula de patinação. A minha vòzinha me acha linda. A minha vòzinha não sabe de nada. A minha vòzinha é teimosa. A minha vòzinha gosta de me cheirar. A minha vòzinha só fala de política. A minha vòzinha acredita em ET. Acredita, não, sabe. A minha vòzinha sabe de ET e reencarnação. A minha vòzinha não ouve música. A minha vòzinha me chama de radiosa. A minha vòzinha acha que eu implico com ela. A minha vòzinha é que implica comigo. A minha vòzinha só fala de política. Tudo que eu sou vem da minha vòzinha. A minha vòzinha só fala de política. A minha vòzinha é meu coração. A minha vòzinha tem quatro netos. Serei eu a preferida?

1.6.08

contos canadenese - a boite

Era uma vez uma lenda de que brasileiros sao descarados, ousados e beijam na boca de quem nao conhecem. A ultima parte 'e verdade, vamos reconhecer, mas quanto a descaramento e ousadia, senhoras e senhoras, esquecam o Brasil. O que se ve nas boites canadenses encabula qualquer brasileiro. Canadenes dancam coladinhos, mas coladinhos, coladinhos mesmo, um de frente pras costas do outro. E mais. Canadenses dancam coladinhos nas costas de quem nao conhecem. Funciona assim: o menino chega perto da menina, nem diz o nome, da uma dancadinha colada de frente e ja parte pras costas, e 'e normal. E 'e a boite inteira nisso. E vc fica la olhando e pensando quem foi que inventou que brasileira 'e mulher facil. E nao to falando de baile funk, nao, que a brasileirinha nao 'e disso. 'E boite s'eria, daquelas que nao aceitam homem de tenis, bone ou regata. 'E coisa fina mesmo. E 'e tudo num clima respeitoso. O canadense vem todo educado te convidar pra dancar, so nao tira o chapeu porque a boite nao permite o uso. 'E verdade que se vc disser nao, ja era, que aqui ninguem tem tempo a perder com conversa. Nao quer dancar, ok, nao quero nem saber seu nome. Jogo rapidissimo. Agora, o interessante da coisa 'e que canadenses sao tambem muito recatados. Beijo na boca, nem pensar. O negocio deles 'e so dancar. Tambem, ne? A brasileirinha, que nao esta acostumada com essas intimidades, preferiu se esconder no cantinho da boite. Tava la sentada, observando a cena, no que veio o mexicano. Mexicanos nao sao canadenes. Sintam a diferenca. Oi, vc fala espanhol? O mexicano queria conversar, viram so? A brasileirinha nao queria. Nao, nao falo. Vc fala ingles? Bom, alguma coisa a brasileirinha tem que falar, ne? What`s your name? My name is Mariana. Ta vendo? 'E um nome espanhol! Ai, que vontade de matar esse mexicano! A brasileirinha nao respondeu. O mexicano nao falou mais nada. Tic tac, tic tac, a brasileirinha olhando firme pra frente, o mexicano sabe-se la, ate que ele manda um nice to meet you, Mariana, levanta e vai embora. Ah, sem duvida, deve ter sido muito legal conhecer a brasileirinha. Seguem-se algumas abordagens canadeneses, quer dancar, nao, nao quero, ok, tchau, ate que vem o turco, arabe, o que sera? O o-que-sera senta-se ao lado da brasileirinha. Ele vai me chamar pra dancar, ele vai me chamar pra dancar... Silencio, tensao, o tempo passa e nada acontece. Aqui cabe a pergunta, e vale pra brasileiros tambem: se todo mundo sabe o que o menino vai fazer, por que ele nao faz logo, santo Deus? Passados eternos cinco minutos, o o-que-sera lanca a pergunta, acompanhada de um murro na perna da brasileirinha. O tipo da coisa feita pra dar certo, um pow na sua perna e um convite pra dancar... A brasileirinha nao mencionou que luta taekwondo, ne? Pois luta. E nunca na vida teve que segurar tanto o impulso de devolver a gentileza. Mas so sorriu e agradeceu, pensando nao, infeliz nao quero dancar com vc de jeito nenhum. Veio mais um canadenese e a brasileirinha, com medo de levar outra pancada, e a'i sim perder a cabeca, achou melhor aceitar. Levantou e partiu pra pista com o canadense, que comecou a fazer passinhos! Sim, passinhos! Daqueles anos setenta, com rodopios, braco de um cruzado com o braco do outro, coisas que a brasileirinha nao via desde os tempos de John Travolta. A brasileirinha ja mencionou que 'e uma pessima dancarina? Pois e. Nao podia dar certo, claro, e a brasileirinha foi largada sozinha no meio da pista! Sintam a humilhacao. O canadense faz papel de palhacao e a brasileirinha 'e que 'e abandonada na pista! Depois dessa, a brasileirinha resolveu desistir. Nao da, nao, ladies and gentlemen. Boite de novo, so no Brasil.

14.5.08

contos canadenses - o tempo

A brasileirinha nao escolheu Vancouver por acaso. Escolheu pelo bom tempo. Das grandes cidades canadenses, Vancouver 'e a mais quente. Ou a que menos esfria. 'E tambem a mais chuvosa, mas so no outono e inverno. A brasileirinha, esperta, deixou pra viajar na primavera. Logo que chegou, constatou que o sol em Vancouver bate forte e esquenta pra valer. A alegria nao durou uma semana. Dos vinte graus da chegada, a temperatura foi a zero. Zero, redondinho. Choveu granizo. Nevou. A brasileirinha passou a checar a previsao do tempo toda noite antes de dormir. A brasileirinha passou a confirmar a previsao da noite anterior todo dia antes de sair. A brasileirinha se pega as vezes cantarolando a musiquinha do Canal do Tempo. A brasileirinha vive pro tempo. Comemora quinze graus como se fosse gol do Flamengo. Sabe de cabe'ca a temperatura da semana inteira, maxima e minima. A brasileirinha ontem viu que a temperatura na sexta vai chegar a vinte e oito graus. E que no sabado vamos a trinta. A brasileirinha esta apavorada. Mas nao era isso que ela queria? Queria e continua querendo. O que preocupa a brasileirinha 'e que, acompanhando a promessa de felicidade, nao aparece um sol, uma nuvem ou uma chuvinha, mas uma imensa bola preta. E o que significa uma bola preta na previsao do tempo? Se nao 'e sol, se nao 'e chuva, se o termometro vai a trinta de uma hora pra outra, so pode ser o apocalipse. A brasileirinha faz bem em se preocupar.

7.4.08

a vingança do grafiteiro

O grafiteiro passa pelo viaduto todos os dias pra apreciar sua obra: uma cabeça gigantesca e sorridente equilibrada num minúsculo corpinho. Deu trabalho, mas ficou linda e faz o maior sucesso. O grafiteiro gasta horas ali por perto, observando a reação de quem passa. Não há quem não pare pra olhar. O grafiteiro gosta de subir a rua devagar, vendo a cabeça crescer enquanto ele se aproxima. Um dia, lá de longe, o grafiteiro viu uma mancha branca cobrindo o grafite quase inteiro. Correu pra perto e viu que não era impressão. Tinham passado tinta na metade da cabeça. Nada contra grafite, ou teriam, no mínimo, pintado tudo. Era propaganda mesmo. As enormes letras vermelhas anunciavam: Mãe Amanda, trago a pessoa amada em três dias, telefone 25791825, (o número é esse mesmo, o grafiteiro anotou com cuidado). Mãe Amanda não teve piedade. Podia ter usado o paredão em branco logo ao lado, se é que parede lá é feita pra avisar o mundo do seu domínio sobre pessoas amadas, mas achou que o anúncio no meio do grafite chamava mais a atenção e tascou foi tinta por cima da cabeça. A combinação, de fato, atrai qualquer olhar. Quem passa por lá fica sabendo que Mãe Amanda traz a pessoa amada de volta, e em três dias. Pois quero ver trazer, gritou o grafiteiro, jurando vingança. No mesmo dia, marcou consulta. Cheia dos balangandãs, por vaidade ou pra compor a personagem, Mãe Amanda era uma coroa até bonita. Enquanto trazia de volta a pessoa amada dos outros, procurava uma pra si mesma. O grafiteiro abriu o coração pra Mãe Amanda. Contou que seu defeito era ser muito bom, amar demais. Que sabia que a amada não merecia um moço feito ele, médico, bem-sucedido, cheio de pretendentes. Que o melhor seria desistir, mas que não foi feito pra viver só, procurava uma alma gêmea. Se não fosse a amada, quem seria? Não queria viver procurando. Queria assentar, formar família, não podia nem esperar três dias, tinha que ser pra já. Bom, mas se é só por casar, não precisa ser essa, disse lá pelas tantas Mãe Amanda. Precisar, não precisa, respondeu o grafiteiro, mas moça especial a gente não encontra a qualquer hora. A senhora, por exemplo, aposto que é casada. Pois não sou, assanhou-se Mãe Amanda. E emendou: estou vendo que vc está muito angustiado. Se quiser, podemos sair depois pra conversar sobre esse assunto. Vou te mostrar que até posso trazer essa mulher de volta, mas ela não foi feita pra vc. Às oito, o grafiteiro chegou, com um buquê de rosas e uma caixa de bombons. Abriu a porta do carro, pagou a conta, não tentou intimidade, um cavalheiro. Passou uma semana assim, saindo com Mãe Amanda todos os dias. Mãe Amanda ria à toa. Um moço daqueles, bonito, jovem, respeitador, rico... Agora é que me caso e largo essa vida de procurar a pessoa amada dos outros. De fato, no décimo dia, o grafiteiro pediu a mão de Mãe Amanda. Avisou que queria tudo rápido, que ela fosse providenciando bolo, vestido, enxoval, que o anel já estava vindo da Europa. Mãe Amanda era só alegria. Até dispensou os dois molequinhos que emporcalhavam a cidade pintando o telefone dela pra todo lado. Agora vou ser madame, explicou, chega de propaganda. Com pena dos meninos, quase mandou pintar, como último trabalho: Clientes queridos, adeus, Mãe Amanda vai casar. Voltou atrás porque o noivo, muito discreto, podia não gostar. Mas avisou a quem pode e torrou as economias comprando as camisolas da lua-de-mel. E quando parecia que Mãe Amanda ia ter seu final feliz, o grafiteiro sumiu. Mãe Amanda, acostumada a ter o noivo sempre na porta de casa, se deu conta de que dele não sabia endereço, telefone ou qualquer outra coisa. Apelou pras cartas, fez todo tipo de feitiço, mas a pessoa amada não voltou nem em três, nem em dez, nem em mil dias. Quem teve o final feliz foi o grafiteiro, que, vingado, continua passando pelo viaduto diariamente e, no que olha a cabeça rabiscada, repete: traz a pessoa amada de volta agora, Mãe Amanda, traz. E a história acaba assim, com o grafiteiro rindo de lá, Mãe Amanda chorando de cá e o respeitável público aplaudindo de pé, que ela bem que merece.

5.2.08

boatos, leitores, boatos

Andam dizendo que a cronista foi pular Carnaval na Sapucaí. Boatos, leitores, boatos. Imagina se a cronista ia sair por aí com um saiote que não fechava atrás, ombreira de palha enorme, pescoceira de plumas, lança de mais de dois metros na mão e chapéu de porco ou javali, vai saber. Dá pra acreditar na cronista pegando o metrô toda fantasiada em plena madrugada e andando não sei quanto tempo até chegar à concentração? Francamente, alguém acredita que a cronista ficou uma hora e meia em pé, sem água, sem comida, debaixo da maior chuva, esperando a vez de entrar na avenida? E que se não fosse uma sede insistente nem teria se importado? Dizem que a sede era tanta que a cronista até bebeu água de chuva, mas alguém acredita? Alguém imagina a cronista pulando feito louca na avenida, com o samba no pé e na ponta da língua? Dá pra crer que a cronista nem ligou pras câmeras de tevê e se plantou bem na frente da ala, rebolando pra todo lado e mandando beijos pra arquibancada? E que no final do desfile se disse pronta pra começar tudo de novo, e se não segurassem quase que ia mesmo. Dizem que a essa altura o calor era tanto que a cronista foi jogando lança pra um lado, cabeça de porco pro outro, que ia voltar pra casa sem nada quando se encantou com uma saia de baiana em formato de cavalo, com cabeça e tudo, abandonada por outra foliã. Pois há quem jure que a cronista vestiu o bicho e saiu cavalgando pela dipersão. E que só abandonou o cavalinho porque era grande demais pra entrar no bagageiro do táxi. Bom, pelo menos contam que a cronista voltou de táxi. Andar da Sapucaí até a Presidente Vargas depois de uma maratona daquelas seria mesmo mentira demais. Mas quem inventou a coisa toda garante que a cronista estava inteira e que ano que vem tá lá de novo. Quem quiser pode ir conferir, mas é besteira. Dizem coisas incríveis por aí, amigos leitores, não se deixem enganar. A cronista na Sapucaí? Nem em sonhos, queridos, nem em sonhos.

12.1.08

e viva a incompetência do bandido brasileiro

Não vou celebrar a competência da polícia brasileira. Desculpem, mas tenho minhas dúvidas. Tudo bem que a polícia fez a parte dela e trouxe de volta os quadros levados do Masp, mas, se não fosse a incompetência do bandido brasileiro, não sei, não. A incompetência do bandido brasileiro me mata de vergonha. Onde é que já se viu, quando todo mundo achava que os quadros já estavam longe há muito tempo, eles aparecerem escondidos num subúrbio ali do lado? Haja incompetência! Mas, tendo servido pra recuperar os agora mais importantes quadros do acervo nacional, um viva pra incompetência do bandido brasileiro! O bandido brasileiro pediu um milhão pra roubar os quadros. Obviamente, não sabia o que estava roubando ou teria pedido pelo menos cinco. Pra tudo tem remédio, pensou o bandido brasileiro, que lê jornal - mais um viva pra ele! - e, quando descobriu que os quadros valiam cem milhões, resolveu que por um não entregava, não, queria os tais cinco. Pra quê cinco, bandido brasileiro? Unzinho já garantia a aposentadoria... Mas tudo teria dado certo se o destino não tivesse colocado no caminho do bandido brasileiro outro incompetente: o mandante. O mandante também me mata de vergonha, mas tome lá um viva por conta da volta dos quadros. O mandante ia ganhar não cem milhões em dinheiro, mas um Picasso e um Portinari pra pendurar na sala de estar de seu castelo na Escócia e se fartar de admirar. Que são cinco, dez, vinte milhões diante disso? Mas o mandante preferiu bater pé. Não, cinco não pago. O que conta não é o valor das obras, mas o risco da operação. Esse bandido brasileiro roubou os quadros mole, mole, não enfrentou alarme, polícia, nada. Os quadros estavam lá, pedindo pra ser roubados. Devia era pagar menos, isso sim. O mandante não deixa de ter razão, mas aí se vê, mais uma vez, sua incompetência. Se tivesse se informado sobre a segurança do MASP, teria oferecido no máximo uns cem milzinhos. Foi falar em milhão, foi crescer o olho do bandido brasileiro, deu no que deu. A incompetência do mandante é tamanha que ele nem levou em conta a incompetência do bandido brasileiro. Acabaram os dois agarrados aos quadros, um em cada ponta, puxando pra lá e pra cá. Santa incompetência, qualquer criança sabe que coisa assim não termina bem. O bandido brasileiro dizia paga, o mandante dizia não pago, o mandante dizia dá, o bandido brasileiro dizia não dou, e puxa daqui e puxa dali até que a polícia estourou o cativeiro. Com os quadros reféns do bandido brasileiro por quase um mês, só podia dar nisso, que nessa coisa de estourar cativeiro em subúrbio a polícia brasileira é boa mesmo. Tá certo, me rendo, um viva pra polícia brasileira, que trouxe os quadros de volta pro museu. E agora vamos em massa fazer fila diante deles, que não é todo dia que um Pricasso e um Portinálio aparecem nessas praias e brasileiro é muito ligado à arte. Enquanto isso, o resto do mundo ri da incompetência da nossa bandidagem. Mais um viva pra ela!

6.1.08

réveillon é mesmo em copa

Quem me acompanha sabe que ano passado inventei de passar o réveillon em Ipanema e fiquei lá feito boba esperando uns fogos que nunca vieram, eu e mais meia dúzia de trouxas que também não tiveram réveillon. Pois este ano não quis conversa e fui virar 2006 e 2007 em Copacabana mesmo. O réveillon de Copa não tem surpresa, é sempre o mesmo, sempre igual. Lotado, música insuportável, fogos parcialmente encobertos pelo próprio fumacê, não tem erro. O réveillon de Copa se diz o maior do mundo, mas eu não acredito que seja, não. Réveillon feito ele tem em todo lugar. Vc vai lá com sua família, seus amigos, sempre os mesmos, sempre iguais, tirando este ano um grupo de gringos virgens de Copa (um deles pode estar me lendo agora, então hi, Holden), mas isso também volta e meia tem. À meia-noite (geralmente antes, vai entender essas coisas de Copa) tem aquele fogaréu que parece que não vai acabar nunca, todo mundo de branco pulando ondinhas, uns malucos mergulhando de corpo inteiro, papapá papapá, só que aí é que vc sente - aí, não, desde antes do fogueteio vc já tá sentindo - uma felicidade, uma satisfação de estar lá, uma certeza de que tudo na sua vida vai dar certo não só neste ano, mas na vida inteira mesmo. Isso, queridos, só em Copa. E depois vc ainda sai andando toda tranquila no meio daquele povaréu enorme, que eu nunca vi tanta gente junta e não ter problema. E nem venham me dizer que morreu não sei quem e explodiu sei lá o quê. Réveillon em Copa é quando o carioca desliga o radar, e o que não desliga é porque é bobo. Quem passa o réveillon em Copa sabe que ali é o lugar certo pra encerrar e começar todo ano. Não sei pra que que a gente perde tempo passando em outro lugar. Enfim, faço aqui esse textinho meio atrasado só pra dizer que desta vez ninguém me enrolou. Senhoras e senhores, não adianta, não, réveillon é mesmo em Copa. Quem nunca foi tá esperando o quê?

2.1.08

do que é feita a minha avó

Minha avó tem o pé gordo. Minha avó gosta da casa cheia. Minha avó não pode comer chocolate. Minha avó come chocolate. Minha avó mudou a cor do esmalte. Minha avó tem um jeito engraçado de falar o nome do meu avô. Minha avó chama a Dindinha de Zélia. Minha avó compra presente pra todo mundo. Minha avó me ensinou a bater clara de ovo. Minha avó me deu uma boneca alemã que falava. Minha avó usa broche de borboleta. Minha avó tem oitenta e nove anos. Minha avó faz aniversário dia dois ou três, nunca sei. Minha avó atrai loucos de todos os gêneros. Minha avó faz rabanada. Minha avó sempre acha que a comida não vai dar. Minha avó manda fazer comida demais. Minha avó faz frango só pra mim. Minha avó esquece às vezes. Minha avó só lava o cabelo no salão. Minha avó andou de metrô pela primeira vez comigo. Minha avó jurou que não anda mais. Minha avó nunca andou de ônibus. Minha avó nunca usou jeans. Minha avó nunca teve a chave de casa. Minha avó não come hortelã. Minha avó só faz o que quer. Minha avó me deu o anel de bodas de prata. Minha avó tem casa com terraço e quintal. Minha avó tem seus preferidos. Minha avó tem seus perseguidos. Minha avó fazia audiência de chapéu. Minha avó não faz mais audiência. Minha avó vai ao escritório todos os dias. Minha avó quebrou o braço. Minha avó adora novela. Minha avó dorme tarde. Minha avó ronca. Minha avó é mineira. Minha avó não perde um casamento. Minha avó quer que eu case. Minha avó conta histórias muito bem. Minha avó tem vinte netos. Minha avó é só minha.