28.7.07

ser balzaquiana

Ser balzaquiana não é não arranjar mais um namorado após o outro. Ser balzaquiana não é não ser páreo pra um bando de menininhas que só ganham de vc no quesito juventude e olhe lá. Ser balzaquiana não é ser chamada de tia pelas tais menininhas - e os respectivos meninões. Ser balzaquiana não é ter que ouvir toda hora a mãe contar que a filha da Fulana também casou, só falta mesmo vc. Ser balzaquiana não é engolir o olhar de pena das pessoas quando descobrem que vc ainda é solteira, ou melhor, que vc é solteira, que solteira balzaquiana não desencalha mais, não. Ser balzaquiana não é saber que ninguém acredita que vc é, caramba, uma solteira feliz. Ser balzaquiana não é, consequentemente, ter toda hora alguém com um amigo “perfeito pra vc” pra te apresentar. Ser balzaquiana não é sentir o mundo todo numa só vibração: “case, case, case”. Ser balzaquiana não é a avó, desesperada, te empurrar pro padeiro, caixeiro, cachaceiro, o que vier. Ser balzaquiana é ouvir a mesma avó perguntar por que vc não namora o Fulano, sendo o Fulano o priminho que vc ajudou a criar. Ser balzaquiana, queridos, é o fundo do poço.

12.7.07

a pessoa certa

Fugindo da agitação, a avó se instalou numa mesinha escondida. De lá, não via a pista de dança, mas conseguia acompanhar bem o movimento no salão. Quase não viu os noivos, por isso estava ansiosa para assistir ao vídeo da festa. Toda a família se reuniu para o evento e a avó não disfarçou o orgulho ao rever o neto, lindo, esperando a noiva no altar. Saboreou novamente a saída da igreja, os cumprimentos, o discurso do noivo, esquecendo-se dos pais, ela vibrou, para declarar que não seria ninguém sem a avó querida. Tinha feito mesmo um bom trabalho. Ali estava o neto, advogado em plena ascensão, casado com uma moça fina, de boa família, linda. O vídeo começou a mostrar o que a avó, do seu canto, não tinha visto. Os noivos abrindo a pista de dança, os aplausos dos amigos, uma beleza. O encanto não durou muito. Rapidinho, a noiva se revelou. Dançava sensualmente, rebolava, lançava olhares fatais pro noivo, que, sem alternativa, sorria e balançava os dedinhos, como se estivesse aprovando o espetáculo. Disfarçava, mas por dentro estava morto, a avó sabia. Aquilo não era moça pra ele. Despudorada, a noiva parecia esquecer que estavam no meio da festa e não na intimidade da lua-de-mel. Apertava o noivo, se oferecia toda, uma vulgaridade. A avó admirou a classe do neto, tentando manter a pose diante do furacão. Ah, se tivesse visto na hora, teria interrompido o vexame, esclarecendo logo aos convidados que o neto tinha cometido um erro. Erro quanto à pessoa! Era isso, a avó pensou. Advogada renomada, conhecia de cor o Código Civil : " Art. 1556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. Art. 1557. Considera-se erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge: I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado." Começou a tramar a anulação do casamento, que era evidente que o neto não poderia viver com uma noiva como aquela. Passou a observar o vídeo com ainda mais interesse, registrando os momentos que ajudariam a demonstrar o terrível erro. A noiva se exibia, dava tudo. A avó, com o plano em mente, adorava. Muito bom, chegou a exclamar em voz alta, enquanto a noiva descia até o chão. Era o suficiente, a avó pensou, juiz nenhum deixaria de reconhecer que aquela era a pessoa errada. O câmera filmava os convidados, alguns visivelmente chocados. Lá estava a Raimunda, tão chique, com aquela idade toda, a Isabela, bastante elegante, quem diria, a mãe do noivo, linda de morrer. Nisso aparece o casal novamente. A noiva, já de chinelos e ainda se acabando e o noivo... O noivo com um olhar feroz, a gravata na cabeça, pingando de suor enquanto ensaiava uns passinhos. Nada grave, a avó se tranquilizou, efeito passageiro do mau exemplo da noiva. Com o tempo, porém, o escândalo do noivo foi deixando o da noiva muito pra trás, que noiva se exibir é uma coisa, noivo é outra. O noivo se contorcia inteiro, rebolava levantando as perninhas, arrancava risos da platéia. Para horror da avó, não se limitava a dançar com seu par, como a noiva fazia. Ia puxando as convidadas e rodopiando com uma após a outra. Depois voltava pra noiva, agarrava, dava uns beijos abusados que nem na novela das oito tinha igual. Ah, se tivesse visto na hora, a avó teria interrompido o vexame, dando umas boas palmadas no neto bem no meio do salão. Terminada a sessão, a avó abriu os braços pra noiva e disse: vc é perfeita pra ele, querida! Seja bem-vinda à família!