4.7.20

máscaras

O desejo de uma vida toda estava se realizando. Desde pequena, sonhava com o Carnaval de Veneza. Agora, preparava-se para finalmente sair pela cidade, tomando parte na sóbria folia. Via Veneza pela janela enquanto se vestia. Amava as ruelas cercadas pelas águas, as gôndolas, as pontes. Sempre se imaginava andando por lá, sonhava até. Sempre no Carnaval, quando tudo era mais vivo e colorido. Queria caminhar pelas ruas, ser admirada, exibir a fantasia. Queria se fartar com o esplendor das fantasias dos demais foliões. Com as máscaras, principalmente, as máscaras. Já se via rodopiando pelos salões, com seu vestido vermelho e dourado, coberto de laços e babados. E a máscara, claro, a máscara. Tinha sido difícil escolher a sua. Nunca quis as brancas de porcelana, feitas em série. Queria uma máscara feita a mão, única. Não se preocupava com preço. Afinal, era Carnaval, era Veneza. Oscilava entre as que cobriam só os olhos e as que escondiam o rosto todo. Hesitava entre as colombinas, bizantinas, misteriosas, narigudas, aristocráticas, cômicas. Eram muitas, todas fascinantes. Acabou encomendando uma dourada com pedrarias e plumas volumosas que emolduravam a cabeça. Vestiu-a. Olhou uma última vez pela janela, caminhou até a porta, parou. Quis aproveitar um pouco mais a excitação, a alegria antecipada. Veneza estava logo ali. Pôs a mão na maçaneta, não chegou a girar. Ouviu ao longe um som irritante, cada vez mais alto. Acabou-se o sonho. Acordou do outro lado do mundo, atrasada para o trabalho. Arrumou-se, pôs a máscara da vida real, o grosseiro uniforme da pandemia, e saiu. Viu-se cercada por mascarados, mas não viu folia. Veneza ficava para outro dia.