24.5.20

basta

Sou branca, nesta vida. Em outras, se existiram, devo ter sido negra. Volta e meia penso assim, depois mudo de ideia. Não é preciso ser da mesma cor pra sentir a dor do outro, pra me indignar, pra me chocar. Eu sinto forte, muito forte, a dor do preconceito. Por isso, hoje não vou escrever um texto como os outros, uma variação sobre a quarentena. Até porque pouco importa se escrevo antes, durante ou depois da pandemia. O que importa, sim, é que escrevo em 2020. Em 2020, deixo de escrever um conto porque adolescentes trocaram mensagens racistas num grupo de WhatsApp da escola. Mensagens tão baixas, tão nojentas, que me impedem de escrever sobre outra coisa. Atitudes racistas acontecem o tempo todo, eu sei, mas realmente nunca imaginei que fosse ler o que li. É mais do que preconceito, é falta de coração, de empatia, de respeito a todos, negros ou não. Eu, branca, me senti agredida. Em 2020, deixo de escrever meu conto porque não tenho como, diante do que li, escrever ficção. Porque não tenho como inventar personagens se só me vêm à cabeça o rosto da menina, lindo e nítido, e os dos adolescentes, massas disformes e desprezíveis. Deixo hoje de escrever meu conto pra registrar que em 2020 adolescentes de uma boa escola da Zona Sul, que deveriam ser pessoas educadas e decentes, pensam o que pensam, sentem o que sentem e têm coragem de escrever e divulgar. Não têm vergonha, não têm noção. Devem achar natural, repetem o que ouviram de seus pais, avós, bisavós, numa corrente estúpida de preconceito que até hoje não se quebrou. É provável, mas não é desculpa. O mundo está aí pra ensinar. É 2020 e esses quase homens ainda não aprenderam. É imperdoável, é crime. Que gente é essa? Até onde isso vai? Estamos em 2020. Já não basta? 

Nenhum comentário: