3.5.20

aviões

Pequena, o passeio preferido era a ida ao aeroporto para ver os aviões. Passava horas hipnotizada, com a cara colada no vidro, quase sem piscar. Mantinha o olhar fixo no céu, esperando ver ao longe um pontinho pequeno se aproximando. Apostava com os irmãos quem reconheceria primeiro a companhia aérea do avião que chegava. Gostava também de acompanhar os aviões na pista, tentando adivinhar qual decolaria primeiro.
Crescida, virou fiscal de bagagem. Chances de ver os aviões tinha poucas, mas gostava de estar no aeroporto, de ver o vaivém de viajantes, de sentir a agitação. O aeroporto era enorme, de corredores intermináveis. Muitos portões, muitas lojas, muita gente. Diariamente, uma multidão zanzava de um lado pro outro e os aviões se amontoavam na pista, aguardando sua vez de decolar. Isso, antes da quarentena. Agora, a coisa é outra. Os corredores estão lá, mas desertos. As lojas estão lá, mas quase todas fechadas. Os passageiros estão lá, mas um ou outro só. Não tem fila na frente dos portões, não tem disputa pelos bancos, não tem confusão. Na maior parte do tempo, ela não tem ninguém pra fiscalizar. Pode fazer o que quiser, pode ficar por conta dos aviões. Não tem muito o que ver, é verdade, mas não se importa. Passa horas de frente pro janelão de vidro, tentando enxergar um pontinho voando no céu. Como se não existisse mais nada, como se o apocalipse não estivesse acontecendo. Só ela, a janela e, com sorte, algum avião.

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