16.6.20

santo

Lá na roça, todo domingo tem missa na capelinha. Os fiéis seguem em procissão pela beira da estrada, cantando as ladainhas com voz estridente. Rezam com fé, uns pra agradecer, outros só pra pedir mesmo. Nos últimos tempos, pasaram a pedir mais do que a agradecer, mortos de medo do bicho que mata. Depois que dois casos apareceram numa cidadezinha próxima, foi um tal de fazer promessa, de beijar pé de santo, de acender vela, que só vendo. Chegaram ao ponto de botar máscara no santo, durante a missa solene. Bem se sabe que pra alcançar a graça pedida não basta bajular: é preciso também fazer o santo sofrer. Santo Antônio é um que fica de cabeça pra baixo até conceder marido. O santo da capelinha foi condenado a sufocar com a máscara até afastar o perigo. O plano era bom, mas o menino não aguentou. Não conseguiu dormir, pensando no santo se debatendo, asfixiado.  Madrugada alta, foi até a capela prestar socorro. Enfrentou bem o medo do escuro, mas na hora de tirar a máscara faltou coragem. Teve receio de ser descoberto e acabar castigado também. Castigo que ia ser de vara, bem pior que o do santo. Acabou fazendo só um buraquinho, que também não tinha sentido ir até lá e não ajudar o santo. Na missa seguinte, os fiéis viram a máscara furada e foi um alvoroço. Era um milagre, era a prova de que ninguém ali ia sofrer de falta de ar. O caso correu longe e juntou foi gente pra ver o santo milagreiro. Era uma romaria sem fim, uma montoeira de fiéis, das cidades próximas e distantes. Foi só enganação. Caiu todo mundo doente, tivesse ido à capela ou não. Ficou claro que de milagreiro o santo não tinha nada, era um impostor. Acabou destituído, dando lugar a uma Nossa Senhora vistosa, que essa sim não falha. Povo lá é devoto, mas não perdoa. Ou bem o santo entrega o milagre, ou vai pra lata de lixo. O falso milagreiro não escapou. 

Nenhum comentário: