8.4.20

silêncio

Bento vivia em cidade grande, levava vida corrida, ganhava uma fortuna. Ia tudo muito bem, mas Bento se cansou daquela vida. Parando pra pensar, não queria nem precisava de nada daquilo. Bento queria o silêncio, a natureza, a solidão. Na cidade, não conseguia estar sozinho, quieto, nem por um minuto. Mesmo desacompanhado, em casa, não se livrava dos barulhos da rua, das televisões, dos vizinhos. Resolveu abandonar aquilo tudo. Sentia um impulso de ficar sozinho, totalmente sozinho. Foi-se embora pro mato, instalou-se numa cabana abandonada, sem luz, sem conforto, e lá ficou. Fazia só o que queria, geralmente nada. Não tinha notícias de ninguém, não dava satisfação, era livre. Nunca se arrependeu, nunca teve um momento de tédio. Vivia assim há quinze anos e nem pensava em voltar. O pouco contato que tinha com a civilização acontecia esporadicamente, de forma rápida, só por extrema necessidade. Foi o caso naquele dia. Caminhou por horas até chegar à cidade, preparando-se para enfrentar gente, barulho, poluição, tudo aquilo que detestava. Não foi o que encontrou. Chegou a uma cidade fantasma, sem uma única pessoa na rua. Tudo estava em silêncio, sem movimento, sem vida. Bento não entendeu. Teriam todos decidido virar eremitas também? Impossível, numa cidade com tantos habitantes. Pensou numa guerra, mas as casas estavam todas de pé. Pensou até no apocalipse, mas nesse caso ele mesmo não teria escapado. Afinal, viu num muro uma pichação que dizia #fiqueemcasa. Pelo visto, era o que a cidade inteira estava fazendo. Não sabia o motivo e nem se interessou. Já que estavam todos trancados em casa, resolveu explorar a cidade vazia, toda dele. Andou pelas ruas desertas, coisa impossível em outros tempos, mesmo de madrugada. Tudo fechado, calado, apagado. Achou bonito. Chegou a pensar que daquele jeito poderia ficar morando por ali. Depois, reconsiderou. Uma cidade deserta está morta e ele queria vida. Queria a cabana, o verde, os barulhos do mato, era aquele o seu lugar. De toda forma, não teve pressa em voltar. Quis aproveitar mais um pouco a insólita quietude, que provavelmente não voltaria a presenciar. Resolveu dormir na rua abandonada e sair de manhã. Mal se acomodou, as luzes da cidade se acenderam de uma vez só e uma multidão apareceu nas janelas, explodindo em aplausos e gritos de agradecimento. Foi um assombro. Foi como se a cidade tivesse lhe pregado uma peça. Primeiro, deserta e silenciosa. Depois, acesa e escandalosa. Partiu na mesma hora, noite adentro mesmo. Achou melhor não ficar pra ver o que mais aquela cidade ia aprontar.

Nenhum comentário: