O jantar ia bem, até a neta dizer que ia sair com uma amiga. O irmão disse: com uma amiga, hein? Vovó não entendeu. E o que que tem sua irmã sair com uma amiga? Nada, o irmão respondeu, é que normalmente meninas saem com meninos no sábado à noite. Vovó era ingênua, mas nem tanto. O que você está sugerindo? Nada, só estranhei. Pensando bem, ela nunca sai com meninos, o irmão continuou, dando uma piscadela pra irmã. Sua irmã ficou dez anos com o mesmo namorado, natural que passe um tempo saindo só com amigas. Um tempo que já dura muitos anos, né, Vovó, respondeu o irmão. De fato, a neta só saía com amigas, nunca falava em rapazes. E não é só sair, Vovó, o irmão continuou, ela também dorme nas casas das amigas, fazendo sabe-se lá o quê. Vovó foi ficando tensa, e Vovó tensa era maior diversão. Quanto mais se exaltava, mais o irmão provocava, mais a risadaria geral aumentava. Só Vovó não achava a menor graça. De tensa, Vovó passou a transtornada. Ficou de pé, olhou para neta e perguntou: Você não vai se defender? Defender de quê, vovó? Ele está só expondo os fatos... O choque da Vovó aumentou, os familiares já choravam de rir. Vovó apelou pra filha: vai deixar ele falar assim? Vai deixar ele caluniar sua filha? Mamãe, são observações pertinentes, não me parece que sejam calúnias. A farra continuou, até que a neta notou que Vovó se balançava pra frente e pra trás, olhando pra baixo com olhar perdido, repetindo baixinho: a minha neta não, a minha neta não. A neta percebeu que tinham ido longe demais e achou melhor confessar. Não sou não, Vovó, é brincadeira. Mas depois que Vovó viu a verdade, depois que ligou os pontinhos e percebeu que tudo fazia sentido, que tudo que o neto falou se encaixava direitinho, não tinha mais volta. A neta era mesmo, não adiantava negar. Vovó passou a noite em claro, pensando e repensando no assunto, e quanto mais pensava, quanto mais se lembrava dos trejeitos da neta, dos olhares que lançava pras amigas, especialmente pra morena bonita que estava sempre com ela, mais se convencia de que ela era mesmo. Não tinha jeito, era melhor tentar se conformar.
Dias depois, Vovó esbarrou na neta na rua, muito bem acompanhada por um rapaz lindo, alto, forte, distinto. Homem, acima de tudo, homem. Quem é esse, minha filha? A neta não soube o que responder, já que não estava saindo com o rapaz há muito tempo, mas ele não hesitou. Sou o namorado, senhora, muito prazer. Vovó foi à estratosfera e voltou, de tanta felicidade. Então a neta não era! O prazer é todo meu, todo meu! Que surpresa boa! Nunca pensei que fosse ver minha neta com um rapaz! Com um rapaz tão simpático, Vovó disfarçou, percebendo a gafe. Agarrou as mãos do rapaz, dizendo sem parar: obrigada, obrigada! Obrigada pelo quê, senhora? A neta, que adivinhou o motivo, gelou, mas Vovó teve o bom senso de não responder. Coisa rara...