26.6.14

vovó e a pornografia

A revista chega e a neta corre pra ler. Tarde demais, Vovó chega antes. Que revista é essa? Photo, uma revista francesa de fotografia. Posso ver? Não que Vovó se interesse por fotografia, absolutamente. É mais uma questão de curiosidade em estado avançado mesmo. Toma, Vovó, pode ler. Mas essa revista é pornográfica! Claro que não, Vovó! Mas tá cheio de gente pelada! Isso é nu artístico, Vovó. Artístico nada, é uma pouca-vergonha! Nunca pensei que neta minha pudesse ler uma coisa assim. Não foi assim que seu pai te criou! Pois saiba, Vovó, que meu pai sempre leu essa revista, fazia até coleção. O golpe é duro demais. Vovó arregala os olhos, cambaleia, quase cai. Vai ter um troço, a neta se procupa, pra que fui falar? Vovó balança a cabeca, recusa-se a acreditar. O seu pai, não, o seu pai não lia isso! Lia, Vovó, não perdia uma. Essa revista é um clássico da fotografia. Pois pra mim é puro lixo! Os dois caíram muito no meu conceito, diz, atirando a revista no chão e retirando-se, ainda zonza. Aí, é a vez da neta entrar em choque. Em página dupla, uma fileira de homens pelados exibe-se pra câmera, numa variedade de cores, formas e tamanhos capaz de fazer corar a mais desavergonhada das mulheres, o que certamente não é o caso da Vovó. Até a neta, de renomada sem-vergonhice, se abala. A revista realmente extrapolou todos os limites da decência. Não chega a ser pornografia, mas de artístico aquilo ali não tem nada. A revolta da Vovó é mais do que justa, a neta admite. Em solidariedade, decide nunca mais ler a revista. Vai só empilhando quando as novas chegam, sem nem abrir. Já Vovó, dizem, de vez em quando dá umas folheadas.

7 comentários:

Ilich Ramírez Sánchez disse...

A primeira coisa a dizer é: que bom que as croniquetas voltaram! Tomara que a autora volte a ter a mesma inspiração dos anos 2006/2007, em que havia uma média de mais de uma croniqueta por semana. Seus leitores/admiradores agradecem deliciados!

Ilich Ramírez Sánchez disse...

Em segundo lugar, renovo minha sugestão para mudança do nome do blog. Como 82% das croniquetas têm, no mínimo uma vez, as palavras "vó", avó" ou "vovó", o blog deveria se chamar "Croniquetas da Vovó". Outros temas são meras exceções...

Mariana disse...

Ia mesmo perguntar o que vinha em segundo lugar, Chacal.

Mariana disse...

A cronista agradece deliciada pelo estimulo e a análise estatística.

Nilza Rezende disse...

Eu já digo mais: as croniquetas merecem registro definitivo, ali, pra qualquer um pegar e ler, em livro. Mariana, histórias da vovó, please! E vovó vivendo com tudo o que o mundo tem, até Photo, é algo absolutamente original... Muito boa a croniqueta, deve virar livro! bjs

Unknown disse...

M. Kundera apoderou-se do meu ensaio mental, pretendendo ensinar o que eu aprendera na pós-graduação da vida: o que escolhemos por sua leveza, esvai-se num sopro, pelo tempo diminuto que tente durar e culmina por revelar o peso insustentável do ser. Doidos, ambos. Ele com sua novela feita de brumas, eu às voltas com meu ensaio. Ensaio voltado para a inebriante história da vida de minha avó. E vejo que as Croniquetas têm a indelével marca da presença da avó, que não se dissipa. E isso é poesia para nossos olhos, máxime quando expressadas, certamente, com as letras da saudade. Sendo assim, Mariana, ratifico e dou fé de que, efetivamente, mereçam registro definitivo, prontas para virarem livro. De cabeceira. Não mude nada, nadinha. Gabilan.

Mariana disse...

Um comentário assim, de um leitor ilustre, muito me alegra e honra!
Quanto ao livro, quem sabe, quem sabe...