21.3.12

dindinha

Ela fumava sem parar, cigarros Malboro. Sentava na frente da tv com os malboros e ia madrugada adentro, só dormia de manhã. Ela roncava muito, quando calhava de dormir com ela era um horror. Ela era brava e mandava na casa e na gente. Me obrigava a comer até o fim, querendo ou não. Ela era gorda e no dia em que caiu da escada quase matou todo mundo de susto porque ficou lá estirada sem conseguir se mexer. Eu nem tinha nascido, mas sei porque ninguém esqueceu. Eu também sei, de ouvir falar, que no dia do assalto o ladrão mandou ela deitar na banheira e depois foi um sufoco pra tirar ela de lá. Num dia de bagunça, ela me trancou no quarto dela e eu revirei tudo lá dentro. Ela quase morreu e nunca mais me trancou. Ela falava largatixa e eu morria de vontade de corrigir, mas não corrigia. Ela um dia chamou um fulano de manda-chuva e eu achei graça porque ela queria dizer o contrário, mas também não corrigi. Ela depois me chamou de saliente e eu fiquei pensando o que que ela queria dizer com aquilo. Ainda não descobri. Ela foi embora, mas vinha de visita às vezes e deu pra ver quando começou a perder a voz e os movimentos. Eu que passei a ir de visita e cada vez ela tava pior, mas com a doença, ou a idade, ou a saudade, ou tudo junto, foi perdendo a rabugice e ficando cada vez mais alegre e animada. Pra ela eu acendi, e acendo, as velas de todas as igrejas que visito. Só porque eu sei que ela gostaria. Sempre que alguém falava que ela não ia aguentar muito tempo, eu nem ligava porque tinha certeza de que ia, sim.  Quando me disseram que a coisa era séria e ela já tava perdendo a consciência, eu fui minuto a minuto na estrada pedindo pra ela me esperar. E um dos momentos mais bonitos da minha vida vai ser sempre aquele em que ela me olhou e encheu os olhos d'água e eu vi que tinha conseguido. Deu pra dizer tudo que eu tinha guardado a viagem e a vida toda pra ela, tudo que eu queria que ela levasse com ela. Depois, eu parei de falar e a gente ficou muito tempo conversando só com os olhos e ela me disse coisas lindas que eu é que vou levar comigo. Eu não tenho mais tantas lembranças dela, mas eu sinto a presença, o jeito de andar, a textura da pele, a estridência que a voz dela às vezes tinha quando ela ainda tinha voz, essas coisas que ficam na gente. Ela ficou em mim.

 

6 comentários:

cris lustosa disse...

que lindo Maria! chorei. fico feliz quando vejo um relato bonito sobre a morte, que bom que você pode mostrar isso de forma tão bonita.
beijos e obrigada pelo texto,
Cris

Anônimo disse...

Mariana, e a mão de dedos gordos, com esmalta? Como dindinha conseguia fazer a unha dela tão bem... Ao contrário de tua avó, ela gostava dos esmaltes vermelhos. Quem será que pegou o saquinho dela com tantos esmaltes, muitos deles trazidos pelas "filhas" do exterior? A mão da dindinha - sou capaz de vê-la em detalhes. De sentir seu peso e seu conforto. bjs tia N

Mariana disse...

Oi, Cris, que bom que gostou! Também gostei de escrever e de sentir ela tão viva em mim.

Mariana disse...

A mão entra na textura da pele, Tia N. Mas, nesse aspecto, ninguém supera a Vovó. Morrode saudade da mão dela.

Anônimo disse...

eu chamarra ela de Fofinha.... que pele boa de fazer carinho! lindo e emocionante o texto - bjs, Luiza

Mariana disse...

Era boa mesmo. Eu gostava de apertar a pele dela com os dedos... Bj, Lu!