6.11.06
na vitrine
Minha amiga só fala espanhol, mas é valente. Veio me visitar em Paris e resolveu seguir sozinha pra Londres. Não quis cortar o barato de ninguém e me limitei a tentar evitar maiores imprevistos no território francês. Na véspera, fomos de metrô até a estação, anotando todas as conexões, compramos a passagem, localizamos a plataforma, ensaiamos tudo. A amiga garantiu que a minha companhia era desnecessária e, tendo feito o ensaio geral, achei que podia mesmo continuar dormindo. O trem partia às seis da manhã e a idéia de acordar às quatro e meia em pleno inverno europeu não era das mais empolgantes. No dia seguinte, dei um tchauzinho e voltei a dormir. A amiga arrastou a mala pelos intermináveis corredores, desceu as escadarias, atravessou o enorme saguão, não esquecendo de apertar o botão pra destravar o portão, e... ficou presa. No meu plano perfeito, não levei em conta que ele só abria às seis da manhã. Antes disso, só pela entradinha lateral. Não teria sido tão grave se a porta de entrada também não abrisse. Mas abriu e, pra voltar, só destravando por dentro. Quem destravaria àquela hora? A amiga primeiro tocou a campainha, inutilmente, gritou, inutilmente, chorou, também inutilmente. Afinal, se rendeu e aceitou o fato de que ficaria congelando num cubículo enquanto seu trem partia com um lugar vazio. Não seria tão grave se o portão não fosse de vidro. Cinco e cinco, passa o padeiro, tá a amiga na vitrine. Cinco e dez, o leiteiro, a amiga ainda na vitrine. Cinco e quinze, o jornaleiro, a amiga continua lá. Cinco e meia, uma pequena multidão observa a moça, que já estava até gostando da brincadeira e se divertia fazendo caretas e rebolando - pra se exibir e pra espantar o frio. Seis horas, vem a freirinha - sim, papai concordou com a viagem, mas me enfiou num alojamento de freiras. A amiga se lança nos braços da religiosa e, ciente de que seu espanhol não valeria de nada, repete freneticamente meu nome, caprichando no biquinho. Seis e cinco, não é um pesadelo, tem uma freira no meu quarto, puxando minha amiga pelo braço. A freira, num francês que, felizmente, só nós duas entendemos, descreve a performance da amiga. Graças a Deus, perdi a cena. Não sei se nossa amizade teria sobrevivido ao ataque de risos que ela me provocaria.
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14 comentários:
Paulinha, Paulinha, essa é sua, né? Não tem jeito...
E o povo insiste em descobrir quem é quem...
eu rebolaria.. alias, jah rebolei e fui ajudado por freirinha..
Ahahahahaha muito bom!
Bernardo está sumido. Será que criou um blog?
Bem, cronista, se suas personagens são reais, como o povo insiste em dizer, então é uma loucura o seu habitat, povoado por seres exóticos e hilários, sem igual neste mundinho de Deus.
É verdade: cadê o Bernardo? Esta croniqueta merece os comentários dele.
Não é de ninguém a historinha, posso assegurar. Apenas imaginação da escritora. E que imaginação! Só de pensar na situação, morro de rir.
Bjs.
Gui falando pela escritora? Eu, hein!
Humorada e hilária é a autora. O mundo realmente está cheio destas figuras, nosso olhar é que muitas vezes não as vê. Continue nos divertindo com estes personagens de ficção, tá, Mariana?
Também não entendi como a/o Gui pode assegurar alguma coisa. Enfim...
Acho que já ouvi essa história antes. freirinha ... padeiro... leiteiro...uma certa dificuldade de comunicação... definitivamente essa história não me é estranha. Tô achando que quem protagonizou a cena hilária foi vc, hein Gui?
juro que não vou mais procurar carapuça pra ninguém.... vou só curtir esses textos maravilhosos, deliciosos, viciantes. Bjs, banananiha.
Pô, bananinha é a maior das carapuças! hahaha
Eu que não visto.
bj
Eu, Paulinha? Não me comprometa. Tenho certeza de que a cena só existe na imaginação da escritora!
Impossível não procurar os donos das carapuças...
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