7.4.08
a vingança do grafiteiro
O grafiteiro passa pelo viaduto todos os dias pra apreciar sua obra: uma cabeça gigantesca e sorridente equilibrada num minúsculo corpinho. Deu trabalho, mas ficou linda e faz o maior sucesso. O grafiteiro gasta horas ali por perto, observando a reação de quem passa. Não há quem não pare pra olhar. O grafiteiro gosta de subir a rua devagar, vendo a cabeça crescer enquanto ele se aproxima. Um dia, lá de longe, o grafiteiro viu uma mancha branca cobrindo o grafite quase inteiro. Correu pra perto e viu que não era impressão. Tinham passado tinta na metade da cabeça. Nada contra grafite, ou teriam, no mínimo, pintado tudo. Era propaganda mesmo. As enormes letras vermelhas anunciavam: Mãe Amanda, trago a pessoa amada em três dias, telefone 25791825, (o número é esse mesmo, o grafiteiro anotou com cuidado). Mãe Amanda não teve piedade. Podia ter usado o paredão em branco logo ao lado, se é que parede lá é feita pra avisar o mundo do seu domínio sobre pessoas amadas, mas achou que o anúncio no meio do grafite chamava mais a atenção e tascou foi tinta por cima da cabeça. A combinação, de fato, atrai qualquer olhar. Quem passa por lá fica sabendo que Mãe Amanda traz a pessoa amada de volta, e em três dias. Pois quero ver trazer, gritou o grafiteiro, jurando vingança. No mesmo dia, marcou consulta. Cheia dos balangandãs, por vaidade ou pra compor a personagem, Mãe Amanda era uma coroa até bonita. Enquanto trazia de volta a pessoa amada dos outros, procurava uma pra si mesma. O grafiteiro abriu o coração pra Mãe Amanda. Contou que seu defeito era ser muito bom, amar demais. Que sabia que a amada não merecia um moço feito ele, médico, bem-sucedido, cheio de pretendentes. Que o melhor seria desistir, mas que não foi feito pra viver só, procurava uma alma gêmea. Se não fosse a amada, quem seria? Não queria viver procurando. Queria assentar, formar família, não podia nem esperar três dias, tinha que ser pra já. Bom, mas se é só por casar, não precisa ser essa, disse lá pelas tantas Mãe Amanda. Precisar, não precisa, respondeu o grafiteiro, mas moça especial a gente não encontra a qualquer hora. A senhora, por exemplo, aposto que é casada. Pois não sou, assanhou-se Mãe Amanda. E emendou: estou vendo que vc está muito angustiado. Se quiser, podemos sair depois pra conversar sobre esse assunto. Vou te mostrar que até posso trazer essa mulher de volta, mas ela não foi feita pra vc. Às oito, o grafiteiro chegou, com um buquê de rosas e uma caixa de bombons. Abriu a porta do carro, pagou a conta, não tentou intimidade, um cavalheiro. Passou uma semana assim, saindo com Mãe Amanda todos os dias. Mãe Amanda ria à toa. Um moço daqueles, bonito, jovem, respeitador, rico... Agora é que me caso e largo essa vida de procurar a pessoa amada dos outros. De fato, no décimo dia, o grafiteiro pediu a mão de Mãe Amanda. Avisou que queria tudo rápido, que ela fosse providenciando bolo, vestido, enxoval, que o anel já estava vindo da Europa. Mãe Amanda era só alegria. Até dispensou os dois molequinhos que emporcalhavam a cidade pintando o telefone dela pra todo lado. Agora vou ser madame, explicou, chega de propaganda. Com pena dos meninos, quase mandou pintar, como último trabalho: Clientes queridos, adeus, Mãe Amanda vai casar. Voltou atrás porque o noivo, muito discreto, podia não gostar. Mas avisou a quem pode e torrou as economias comprando as camisolas da lua-de-mel. E quando parecia que Mãe Amanda ia ter seu final feliz, o grafiteiro sumiu. Mãe Amanda, acostumada a ter o noivo sempre na porta de casa, se deu conta de que dele não sabia endereço, telefone ou qualquer outra coisa. Apelou pras cartas, fez todo tipo de feitiço, mas a pessoa amada não voltou nem em três, nem em dez, nem em mil dias. Quem teve o final feliz foi o grafiteiro, que, vingado, continua passando pelo viaduto diariamente e, no que olha a cabeça rabiscada, repete: traz a pessoa amada de volta agora, Mãe Amanda, traz. E a história acaba assim, com o grafiteiro rindo de lá, Mãe Amanda chorando de cá e o respeitável público aplaudindo de pé, que ela bem que merece.
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15 comentários:
eu podia estar arrumando as malas, mas estou aqui escrevendo essa croniqueta...
GENIAL!! É a vingança de todos nós contra todas as mães-sei-lá-quem pixadoras, coladoras e trambiqueiras! Boa viagem, e não nos abandone! =)
beijo, maria
muto bom!!!! vamos ficar com MUITA saudade! vc tem que escrever de lá, viu? bjos.
Que pena que acabou... tava bom à bessa de ler. Beijo, Rebeca.
É o que eu desejo de coração pra todas elas, Maria.
Rebeca, que surpresa! Vai ter mais, pode deixar.
bjs pra todas
Estilo mariano, ou marianiano?, na forma e na análise dos tipos: bandidos que roubam quadros são aplaudidos "por incompetência", grafiteiros revelam-se inteligências criativas "na vingança"... Que mais virá para deleite dos que, como eu, se lhe afeiçoaram impenitentemente? Ou será que não virá (longe dos olhos...)? A partir de que número começaremos a contagem regressiva?170? Mais um pouquinho? Menos?
Como vêem, colegas comentaristas,só perguntas, perguntas... Ciao!
hã? :)
virão, anônima, virão.
que bom que vc vai deixar de ver esses porcalhões por um tempo. é isso que dá morar nesse país, ou melhor, nessa cidade, de sub-raças.escreva croniquetas de lá do primeiro mundo. tudo de bom para você..
Nossa que emoção! Emoção do reencontro com as croniquetas que andavam sumidas. Não me abandone jamais, sou croniqueta-addict, não sobrevivo sem esas delícias. Faltam adjetivos: genial? espetacular? fenomenal? Sao todos pobres frente à maravilha produzida pela melhor cronista do Brasil!
qdo receberemos croniquetas canadenses?
Esperamos croniquetas B R A S I L E I R A S, venham de onde vierem, nada de bagunçar nossa convivência tupiniquim mas honesta!
escrever em outra lingua que não seja a lingua-mãe, é coisa de petista deslumbrado. podes crer.
gente, o canadá não rende croniquetas não? queremos mais!
beijo, maria
terao, acompanhem.
bjs
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