12.7.07

a pessoa certa

Fugindo da agitação, a avó se instalou numa mesinha escondida. De lá, não via a pista de dança, mas conseguia acompanhar bem o movimento no salão. Quase não viu os noivos, por isso estava ansiosa para assistir ao vídeo da festa. Toda a família se reuniu para o evento e a avó não disfarçou o orgulho ao rever o neto, lindo, esperando a noiva no altar. Saboreou novamente a saída da igreja, os cumprimentos, o discurso do noivo, esquecendo-se dos pais, ela vibrou, para declarar que não seria ninguém sem a avó querida. Tinha feito mesmo um bom trabalho. Ali estava o neto, advogado em plena ascensão, casado com uma moça fina, de boa família, linda. O vídeo começou a mostrar o que a avó, do seu canto, não tinha visto. Os noivos abrindo a pista de dança, os aplausos dos amigos, uma beleza. O encanto não durou muito. Rapidinho, a noiva se revelou. Dançava sensualmente, rebolava, lançava olhares fatais pro noivo, que, sem alternativa, sorria e balançava os dedinhos, como se estivesse aprovando o espetáculo. Disfarçava, mas por dentro estava morto, a avó sabia. Aquilo não era moça pra ele. Despudorada, a noiva parecia esquecer que estavam no meio da festa e não na intimidade da lua-de-mel. Apertava o noivo, se oferecia toda, uma vulgaridade. A avó admirou a classe do neto, tentando manter a pose diante do furacão. Ah, se tivesse visto na hora, teria interrompido o vexame, esclarecendo logo aos convidados que o neto tinha cometido um erro. Erro quanto à pessoa! Era isso, a avó pensou. Advogada renomada, conhecia de cor o Código Civil : " Art. 1556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. Art. 1557. Considera-se erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge: I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado." Começou a tramar a anulação do casamento, que era evidente que o neto não poderia viver com uma noiva como aquela. Passou a observar o vídeo com ainda mais interesse, registrando os momentos que ajudariam a demonstrar o terrível erro. A noiva se exibia, dava tudo. A avó, com o plano em mente, adorava. Muito bom, chegou a exclamar em voz alta, enquanto a noiva descia até o chão. Era o suficiente, a avó pensou, juiz nenhum deixaria de reconhecer que aquela era a pessoa errada. O câmera filmava os convidados, alguns visivelmente chocados. Lá estava a Raimunda, tão chique, com aquela idade toda, a Isabela, bastante elegante, quem diria, a mãe do noivo, linda de morrer. Nisso aparece o casal novamente. A noiva, já de chinelos e ainda se acabando e o noivo... O noivo com um olhar feroz, a gravata na cabeça, pingando de suor enquanto ensaiava uns passinhos. Nada grave, a avó se tranquilizou, efeito passageiro do mau exemplo da noiva. Com o tempo, porém, o escândalo do noivo foi deixando o da noiva muito pra trás, que noiva se exibir é uma coisa, noivo é outra. O noivo se contorcia inteiro, rebolava levantando as perninhas, arrancava risos da platéia. Para horror da avó, não se limitava a dançar com seu par, como a noiva fazia. Ia puxando as convidadas e rodopiando com uma após a outra. Depois voltava pra noiva, agarrava, dava uns beijos abusados que nem na novela das oito tinha igual. Ah, se tivesse visto na hora, a avó teria interrompido o vexame, dando umas boas palmadas no neto bem no meio do salão. Terminada a sessão, a avó abriu os braços pra noiva e disse: vc é perfeita pra ele, querida! Seja bem-vinda à família!

16 comentários:

Anônimo disse...

Venhamos e vaiamos (sic):a pugnaz avó dessa historieta - a croniqueta veio reforçada com boa dose de elasteno - fez malabarismos mentais tão imediatamente opostos entre si que só encontram similares no diuturno e concreto desempenho da prática parlamentar lá das duas casas público-privadas atuantes no nosso folclórico humorismo tupiniquim... (Não entendeu? Esquece...).

Mariana disse...

parece que um certo computador voltou a funcionar...

Anônimo disse...

minha cabeça fundiu de novo com o comentário das 11:33hs.pirei de vez ou é a versão familia do mangabeira unger?

Anônimo disse...

Croniqueta nova, VIVA! E ótima, como sempre. Adorei.

Anônimo disse...

Por falar em computador que voltou a funcionar, acho que o dono ou dona dele merece uma croniqueta, nao?
essa dos noivos esta excelente!

Anônimo disse...

Por falar em computador que voltou a funcionar, acho que o dono ou dona dele merece uma croniqueta, nao?
essa dos noivos esta excelente!

Anônimo disse...

Esse gaguinho aí das 11:36 é assim mesmo? Ou é medo da onça que cutucou com vara curta? Nem toda vó é guerreira/ nem todo neto é capaz./Cuidado com a brincadeira!/Gaguinho, olha o que faz.../

Mariana disse...

versinhos no croniquetas! meus leitores não são incríveis?

Anônimo disse...

será que o noivo e a noiva não estariam lutando tae-kwon-do e a simpática vovó achou que,aquilo era dança?

Mariana disse...

vitória do tkd brasileiro!

Anônimo disse...

...e os comentaristas?Bandearam-se todos para o PAN? Bandoleiros,isso sim é o que são!

Anônimo disse...

Pois é, Marinitinha, agora é Você que deve "cair de pau" nas costelas desses comentaristas preguiçosos.

Anônimo disse...

comentaristas chuvas de verão , gostam pouco de tudo e muito de nada.devem estar pensando no(a) amado(a) e se esquecem que existem outros afazeres tb.

Anônimo disse...

Valeu!

Anônimo disse...

já já a avó vira bisavó e não vem croniqueta nova

Anônimo disse...

Anônimo das 8:57, você assina essa declaração? Sim ou não?