24.10.09

da imensa ternura que eu sinto por ele

O B era quem guiava a charrete. O B ia cantando, e as músicas que ele cantava até hoje eu sei de cor. O B ainda tem a mesma cara, mesmo com as rugas e a barba meio branca. Não é com frequência que a gente se vê, mas quando acontece é sempre igual. O B traz a charrete e a gente sai sacolejando pelos caminhos mais esburacados, por ladeiras tão íngremes que olhando lá de cima parece até que vai todo mundo capotar. E eu sinto o fascínio de sempre, e penso como é que pode, que só o B mesmo, que ele é o tal. E engulo o medo e finjo que tá tudo bem, que não tem susto nenhum. Mas o B vai guiando seguro, e vai falando, contando da vida, feito amigo assim de todo dia. E eu não vou dizer que é como se fosse, que aí também já é dar muita bola pro B. Mas eu digo, e eu sempre sinto, que o que me faz falta mesmo daquele lugar, além da charrete, e da festa junina, e do lustre do quarto da vovó, e de tirar lama da sola da galocha com palitinho, e de brincar de caçada à noite, e de acampar no jardim, e de nadar na lagoa, e de dormir todo mundo junto no quarto grande, o que me faz falta mesmo daquele lugar é o B. E, entre as alegrias de voltar lá, além de saber que a viagem enorme tá terminando, e de virar na placa, e de passar pelo bambuzal, e de entrar em casa e ver tudo do mesmo jeito, entre essas alegrias todas, está saber que logo, logo o B vai aparecer. E ele vem sempre sorrindo - não tem barba, nem ruga, nem coisa nenhuma que mude o sorriso do B - e me cumprimenta e vai buscar a charrete. O B, que bom, é sempre igual. Pena só que ele não canta mais.

10 comentários:

Luiza disse...

lindo, lindo.... que saudades

Mariana disse...

nossa, em cima do lance!

lele disse...

Ai, Nana, sensacional!

Ciça disse...

saudade daqueles tempos... muito lindo!

Beta disse...

Eu quase pedi pra ele cantar, mas fiquei encabulada....

claudia disse...

Mariana, vc tem que fazer alguma coisa com esse teu talento além das croniquetas daqui. Vc é muito boa , muito. Amo ler tudo que vc escreve.

Mariana disse...

:):)pra todas!

maria rezende disse...

ai que nostalgia deliciosa... podemos dizer que tivemos uma infância sensacional, povoada de lugares e gente inesquecível, né? eu, que não vou na fazenda há uns 6 anos, adorei relembrar tudo daquele encanto nesse texto e rever o sorriso do B na sua foto lá no facebook...

Anônimo disse...

Que lindo Nana, até chorei. (Adivinha!)

Mariana disse...

tá difícil, anônimo...